Cosmossociologia Espírita
J. Herculano Pires
A Filosofia Espírita foi a primeira a apresentar uma concepção cosmossociológica de ordem científica. Emile Durkheim trataria mais tarde de um tipo de cosmossociologia anímica ao referir-se às cidades gregas do período arcaico, em que deuses e homens conviviam em estreita comunhão com a Natureza (L'Evolution Pédagogique en France, v. I, págs. 138-9), e René Hubert esclarece: "As cidades gregas. estão ainda muito próximas de suas origens culturais para haverem rompido o complexo de interações que ligam a vida social e a vida cósmica, bem como a vida psíquica individual e a vida social; o indivíduo forma corpo com a cidade e esta com o meio que a envolve; as divindades politeístas simbolizam ao mesmo tempo as grandes forças da Natureza." (Traité de Pédagogie Générale págs. 24 e 25). Mas é no Espiritismo que a Cosmossociologia se define como uma realidade nova, marcando um avanço decisivo no processo do Conhecimento. Não se trata apenas da relação simbólica da fase mitológica, mas de uma relação positiva que se afirma em termos concretos e se confirma na investigação científica.
Os críticos e adversários do Espiritismo, que em geral o desconhecem, não vacilariam em contestar essa afirmação, recusando às pesquisas espíritas o caráter científico. Mas já agora teriam de enfrentar também as conclusões da Ciência em outros campos, como o da Física, onde os conceitos evoluíram para uma verdadeira Parafísica; da Astronomia, onde a teoria da pluralidade dos mundos habitados entrou para o domínio das possibilidades incontestáveis; da Biologia, onde o problema da vida rompeu a estreiteza da concepção organocêntrica; da própria Teologia, que passou a admitir, sob a influência científica, além da existência dos seres invisíveis a possibilidade de outras humanidades planetárias; e particularmente da Psicologia, que através das pesquisas parapsicológicas acabou provando cientificamente as relações humanas pela percepção extrassensorial e admitindo a existência de entidades extrafísicas em relação com o nosso plano. Assim, as investigações espíritas e as provas que apresentam no tocante às possibilidades cosmossociológicas estão hoje referendadas pelo desenvolvimento das Ciências. Negá-las e contestá-las com apoio em conceitos científicos superados é simplesmente recusar-se a aceitar as novas dimensões culturais do nosso tempo.
Mas, para uma exposição metodológica do problema, devemos partir de um exame geral da Cosmologia Espírita. E a primeira verificação que temos a fazer é a da existência de uma Cosmogonia Espírita, uma teoria genética do Cosmos que se enraíza na concepção bíblica. Os três primeiros capítulos de "O Livro dos Espíritos" nos apresentam essa parte cosmogônica de tipo religioso, que nem por isso, entretanto, se afasta do campo filosófico. Pelo contrário, enquadra-se perfeitamente na tradição filosófica e nas fases históricas mais recentes da Filosofia. Encontramos a afirmação de que o Universo foi criado por Deus no item 37 do cap. III. A seguir, nos itens 38 e 39, os esclarecimentos possíveis dessa criação, que resumimos no seguinte: Deus criou o Universo pela sua vontade e os mundos se formam pela condensação da matéria espalhada no Espaço.
Temos assim mais uma prova da natureza sintética do Espiritismo, no sentido de síntese histórica segundo a teoria de Arnold Toynbee a que já nos referimos. Toda a cosmogonia bíblica se encerra nesta simples afirmação: Deus criou o Universo pela sua vontade. E, logo mais passamos à Cosmologia científica, que começa por esse esclarecimento, hoje confirmado pela própria Física nuclear: os Mundos se formam pela condensação de matéria. Daí por diante, a Cosmologia Espírita se desenvolve na linha puramente científica, apresentando os seis dias da Criação como seis períodos geológicos, a formação dos seres vivos como um processo evolutivo, a figura bíblica de Adão e Eva como simples alegoria, o aparecimento do homem em diversos pontos da Terra (o que determinou a variedade das raças), e o Universo como um sistema de mundos habitados de acordo com as condições específicas de cada um. Tudo isso hoje admitido no campo das teorias científicas. O cap. III se encerra com a explicação do dilúvio bíblico como uma catástrofe parcial e local, o que foi posteriormente confirmado pelas pesquisas arqueológicas de Sir Charles Leonard Woolley no delta do Tigre e do Eufrates.
O cap. IV, que encerra a primeira parte de, "O Livro dos Espíritos", é dedicado aos problemas, ontológicos que já estudamos. A segunda parte ou Livro II se inicia com os problemas da origem e desenvolvimento espiritual do Homem, passando logo a seguir ao campo da Sociologia Espírita que começa no plano espiritual. Isso porque o Homem é primeiramente Espírito e o Mundo Espiritual é o verdadeiro, "normal e primitivo", do qual deriva o Mundo Corporal. É assim que passamos insensivelmente da Cosmogonia à Cosmologia e desta à Sociologia. A escala espírita, simples esquema de classificação tipológica dos Espíritos, em seu processo evolutivo, que começa no item 100 de "O Livro dos Espíritos", é ao mesmo tempo um elemento da Ontologia, da Psicologia, da Caracteriologia e da Sociologia Espíritas. Podemos aplicá-las tanto aos Espíritos em sua vida espiritual quanto aos homens ou Espíritos encarnados no Mundo Corporal.
Abrem-se no cap. II do Livro II as perspectivas da Sociologia Espírita em toda a sua amplitude. Compreendemos então a razão de Emmanuel haver declarado, em "O Consolador", que "O Espiritismo é o iniciador da Sociologia". Realmente, aquilo que podemos chamar de Sociologia num sentido lato só apareceu até agora nas páginas de "O Livro dos Espírito". Porque somente esse livro nos propõe toda a extensão e complexidade do fato social e ao mesmo tempo nos mostra que esse objeto (como queria Durkheim que ele fosse encarado) é um objeto cósmico e não apenas terreno. A Sociedade Humana se projeta no infinito e se desdobra em sucessivas estruturas espirituais, angélicas, arcangélicas etc., rompendo até mesmo o conceito esferocêntrico ainda dominante em nossos dias (o da possibilidade de vida apenas em esferas planetárias) como resíduo do velho geocentrismo. Porque os Espíritos vivem não somente nas existências planetárias, como a nossa, mas no Espaço, ou seja, nas amplidões do Infinito, em hipóstases do Universo que não podemos sequer chamar de regiões, pois na verdade não sabemos como são, que aspecto apresentam.
Assim, a Sociologia Espírita entranha-se na própria ordem cósmica. Um fato social terreno está ligado ao Universo, determinado por leis universais. É, portanto, um fato cósmico. Há duas ordens de fenômenos que nos permitem verificar esse entrosamento no próprio mundo sensorial: a palingenesia e a mediunidade. A primeira (que não é apenas reencarnação, pois não se aplica somente à vida orgânica) mostra-nos aquilo que "O Livro dos Espíritos" afirma constantemente: tudo se encadeia no Universo. Verificamos através dela que tudo desaparece e reaparece, ou seja, que tudo se faz, se desfaz e se refaz, no eterno suceder das coisas e dos seres, como Heráclito já havia intuído, mas não em forma cíclica, em inútil e constante repetição, mas num processo de desenvolvimento regido pela lei de evolução. É o que vemos nesta admirável frase do fim do item 540 do L. E.: "Tudo se encadeia na Natureza, desde o átomo primitivo até o Arcanjo, pois ele mesmo começou pelo átomo."
A segunda ordem fenomênica acima referida, a mediúnica, mostra-nos a unidade fundamental do Universo e a sua diversidade instrumental. O fato social terreno é de ordem instrumental, ocorre no campo das relações corporais (os corpos como instrumentos do Espírito). Mas esse fato é produzido pelos Espíritos e regido pela lei da mediunidade, lei básica das relações espírito-matéria em todo o Universo. Além disso, as leis universais de afinidade, justiça e amor estão implicadas nele e o determinam. Uma consulta ao Livro III de "O Livro dos Espíritos" dedicado ao estudo das Leis Morais, poderia ajudar-nos a esclarecer a natureza cósmica dos mais diversos fatos sociais terrenos. A lei física de causa e efeito aplica-se no plano moral como lei de ação e reação, a lei cármica das religiões indianas. A lei universal da migração de Espíritos, da transferência de Espíritos de um mundo para outro, segundo a necessidade, projeta os antecedentes do fato social a distâncias inimagináveis.
Os fins da vida social são os mesmos, no Mundo Espiritual e no mundo Corporal: o desenvolvimento das potencialidades do Espírito, a sua realização moral. A palingenesia tem verso e reverso: nascemos e renascemos nos dois planos. As existências sucessivas são portanto intercaladas: a cada existência corporal sucede uma espiritual. E nessas duas existências as relações sociais constituem formas necessárias da evolução espiritual: na existência corporal as relações sociais são objetivas e condicionadas ao processo de exteriorização do Espírito; na existência espiritual as relações são subjetivas e sua interiorização condiciona o aproveitamento da experiência corporal. Exemplo: na existência corporal a exteriorização do Espírito determina a sua ligação com outros e estabelece os laços de família, que resumem os elementos de aglutinação da sociedade, os liames sociais (itens 773 a 775 do L.E.). A família se constitui em célula básica da sociedade. Mas os antecedentes da ligação familial continuam a determinar ações e reações em cadeia, que se manifestam nos interesses objetivos: os interesses psicológicos estudados pela Psicologia comum. Na existência espiritual a interiorização do Espírito determina o confronto do seu comportamento existencial terreno com os fins da vida social, que na sua consciência estão marcados em forma de exigências morais. Esse confronto irá determinar o seu destino, as suas condições existenciais em nova encarnação.
A individualização do princípio inteligente é um processo psicocêntrico. Todo o psiquismo se concentra progressivamente na formação da consciência, na definição do Ser. O Ser, uma vez determinado, é um ego, uma unidade psíquica, segundo vemos no item 92 do L.E., comentário de Kardec. Essa unidade, pela própria necessidade de manter-se integrada, é egocêntrica e portanto egoísta. A socialização é um processo de descentralização psíquica, não no sentido de desagregação mas de expansão das potencialidades do ego, que se abre na vida social como a semente ao germinar ou a flor que desabrocha. Essa a razão porque a caridade é o princípio espírita da vida social: através dela o homem se abre para os outros, o egoísmo se transforma em altruísmo. No plano sociológico podemos esquematizar esse processo da seguinte maneira:
O selvagem isolado é o Narciso da lenda que ama a si mesmo. Esse amor (Adão gozando sozinho o Paraíso) entretanto não lhe basta. A sua insatisfação o leva à procura de um objeto exterior que é arrancado por Deus do seu próprio Ser (Eva tirada da sua costela durante o sono, um sonho que se concretiza, uma potencialidade que se atualiza). Surge assim a primeira família e dela o primeiro clã. As ligações sociais se ampliam na tribo, na raça, na nação. Forma-se o primeiro organismo gregário e o egoísmo se transforma em sócio-centrismo. Mas desenvolve-se a Civilização: com ela, o gregarismo se transforma em sociabilidade. O indivíduo gregário se torna um ser social e as relações sociais o levam à expansão e atualização de suas potencialidades morais. o ser social atinge pouco a pouco a plenitude do ser moral. Mais um pouco e ele se liberta da roda palingenesica dos renascimentos, tornando-se um Ser Espiritual. Toda essa sequência pode ser observada na Escala Espírita.
A Sociologia Espírita, abrangendo todo esse processo de desenvolvimento ontológico, pode ser dividida em duas partes: a Parassociologia e a Cosmossociologia. Trata-se de uma divisão puramente metodológica que tentaremos explicar da seguinte maneira:
PARASSOCIOLOGIA é a parte da Sociologia Espírita que trata das relações sociais na existência corporal. Divide-se em:
1) Psicossociologia Anímica — Estudo do processo de interação social pelas relações psíquicas de natureza anímica: funções sociais da chamada percepção extrassensorial hoje estudada pela Parapsicologia.
2) Psicossociologia Mediúnica — Estudo do processo de interação social pelas relações psíquicas de natureza mediúnica: funções sociais da mediunidade, ação dos Espíritos sobre os Homens e vice versa, determinando mudanças nas relações sociais.
COSMOSSOCIOLOGIA é a parte da Sociologia Espírita que trata das relações sociais na existência espiritual. Divide-se em:
1) Metassociologia — Estudo das relações sociais de ordem espiritual, que tanto se processam na vida de vigília como durante o sono, com o desprendimento do Espírito e sua participação na vida espiritual ou sua atividade oculta ou ostensiva na própria vida corporal.
2) Astrossociologia — Estudo das relações sociais de ordem espiritual entre os diversos Mundos: migrações de Espíritos, manifestações de Espíritos de outros planetas na Terra e vice-versa, possibilidade da percepção anímica ou extrassensorial nas relações interplanetárias e interespaciais em geral.
A Parassociologia está bem exposta em "O Livro dos Espíritos" nos Caps. VIII e IX do Livro II.
A cosmossociologia se encontra nos caps. IV, V e VI do Livro II. Os caps. X e XI do mesmo Livro II completam a Cosmossociologia Espírita estudando as ocupações e missões cósmicas dos Espíritos e as suas atividades telúricas na vida planetária.
O "Livro dos Médiuns" é o compêndio básico para o estudo dos vários tipos de relações da Parassociologia e da Cosmossociologia.
O "Evangelho Segundo o Espiritismo" é o código moral da vida espírita e portanto o livro em que os princípios normativos da Sociologia Espírita se encontram definidos e explicados.
O problema das relações interplanetárias, hoje colocado pelas pesquisas astronáuticas, figura no cap. III da primeira parte de "O Livro dos Espíritos", itens 55 a 58, sob o título de "Pluralidade dos Mundos". O astrônomo Camille Flammarion, que era médium psicógrafo e trabalhava com Kardec na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas publicou uma obra sobre o mesmo assunto. As relações astronáuticas, entretanto, só poderão efetivar-se entre Mundos semelhantes quanto à densidade física de sua constituição. Na pergunta 56 "0 Livro dos Espíritos" coloca o problema da diferença da constituição física dos diversos planetas, e consequentemente da diferença dos organismos corporais de seus habitantes. Nada impede, entretanto, que os Mundos mais diversos se comuniquem entre si pelas vias mediúnicas, pois o Espírito é sempre o mesmo em toda parte.
Os Mundos nascem e morrem. Lemos no item 41 do L. E. : "Deus renova os Mundos, como renova os seres vivos." A Escala dos Mundos nos mostra que eles evoluem. E o item 185 do L. E. esclarece: "Os Mundos também estão submetidos à lei do progresso. Todos começaram como o vosso, por um estado inferior, e a própria Terra sofrerá uma transformação semelhante, tornando-se um paraíso terrestre quando os homens se fizerem bons." Assim, os Mundos formam uma coletividade cósmica. Estão ligados entre si pela rede das leis universais, pelas incessantes comunicações dos Espíritos através do Cosmos, pelas migrações individuais e coletivas dos seres no processo evolutivo. O item 176 do L. E. afirma: "Todos os mundos são solidários".
A solidariedade dos Mundos é uma decorrência natural da unidade e organicidade do Cosmos. A concepção espírita do Universo é monista. Há na Terra muitos homens, em diversos graus de evolução (item 176.a) que nela se encontram pela primeira vez, e nem por isso se diferenciam dos outros. O Espírito humano é um só e tem a flexibilidade necessária para conformar-se, em cada Mundo, às suas exigências e ao seu tipo específico de cultura. Dessa maneira não há razão para os temores que certas pessoas revelam no tocante à possibilidade de criaturas de outros planetas invadirem a Terra. Na verdade, elas estão constantemente invadindo, como nós, os terrícolas, também invadimos outros Mundos. A Humanidade é cósmica e as leis universais equilibram a sua distribuição nos diferentes Mundos.
As distâncias espaciais, como antigamente as distâncias entre os continentes na Terra, só podem ser vencidas por criaturas que tenham alcançado elevado grau de evolução. As naves interplanetárias que chegarem à Terra só podem ser tripuladas por criaturas de uma civilização superior à nossa. E o nosso primarismo que nos leva a imaginar invasões interplanetárias destruidoras. A proporção que superamos os nossos conflitos na Terra nos tornaremos mais aptos a compreender a harmonia do Universo, a unidade espiritual das criaturas e a solidariedade dos Mundos. Então estaremos em condições de receber os nossos irmãos de outros planetas, que poderão trazer-nos, como fazemos hoje entre os países civilizados, as contribuições de suas diferentes culturas para enriquecerem a nossa.
https://www.facebook.com/regeneracaodobem
- Para seguirmos corretamente o espiritismo, devemos submeter todas as mensagens mediúnicas ao crivo duplo de Kardec, sendo eles, a razão e a universalidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário, sugestão, etc...