Experiência e amadurecimento
Deolindo Amorim
Muita gente, no próprio meio espírita, ainda não compreendeu a influência do ambiente em determinadas pessoas. Há pessoas, por exemplo, que trazem do passado certas inclinações irresistíveis e, por isso mesmo, não se adaptam a qualquer ambiente. É problema de tempo. Ninguém deve forçar nem pode censurar outrem pelo fato de pender para este ou aquele lado, de acordo com as disposições de foro íntimo. Sendo o Espiritismo uma Doutrina reencarnacionista, logicamente devemos saber que cada qual, quando volta a este mundo, traz sua bagagem, suas experiências e também seus gostos e suas preferências. Não é possível enquadrar um indivíduo, de um momento para outro, dentro de um sistema ou de um estilo social, se esse indivíduo não se afaz do ambiente, não se sente bem no meio onde se encontra. O mais certo, o mais justo, no caso, é deixar que o próprio indivíduo faça suas opções e procure o ambiente que melhor se ajuste a suas preferências. Vamos, agora, ao ponto concreto do assunto.
Pela experiência que venho adquirindo, dia a dia, no movimento espírita, lidando com pessoas de todas as classes sociais, ouvindo relatos e observações muitas vezes dolorosas, de sofredores de todos os níveis de vida, já observei um aspecto muito curioso e, com isso, vou aprendendo mais. Já notei que muitas pessoas tentam frequentar o meio espírita, mas não ficam, não se acomodam bem nas sociedades espíritas. Por quê? Preconceito? Acredito que haja alguns casos de preconceito, social ou religioso. Na hora da dor, quando falham lá fora todos os recursos, muita gente deixa as convenções sociais e vem bater às portas das casas espíritas em desespero. Faz-se o que pode, sem distinção de crença nem de raça, nem de cor, mas nem todos continuam. Sei que há preconceito, mas é preciso que encaremos outros aspectos do problema. Nem sempre é puro preconceito. Devemos considerar também dois fatores importantes: a formação intelectual ou religiosa do indivíduo e, ainda, a herança, o lastro do passado.
Há pessoas que, por sua formação, adquiriram uns tantos hábitos e, por isso mesmo, são muito condicionados. Aceitam certas ideias, teoricamente, não têm propriamente prevenções, gostam até de ajudar, mas ainda estão presas a determinadas convenções, nunca se sentem à vontade quando estão fora de seu ambiente. A religião de origem, a educação, os padrões sociais em que foram criadas influem muito nessas pessoas, tomando-as a bem dizer alienadas em relação a outros meios sociais. Ainda que sejam beneficiadas no meio espírita; ainda que façam leituras doutrinárias e achem a Doutrina muito boa; ainda que sejam pessoas bem intencionadas e tenham o desejo de servir — não conseguem aderir prontamente aos hábitos espíritas, porque continuam vinculadas aos Conceitos e costumes de origem. Há coisas que, para essas pessoas, representam valores, ao passo que para nós, já não têm a menor significação: são os símbolos materiais, o formalismo e assim por diante. Não é fácil mudar de um dia para o outro. É preciso que haja algum espaço de tempo. Não podemos repelir e muito menos condenar alguém porque ainda se prende a umas tantas coisas. Não há evolução sem transição.
O meio espírita é muito simples, muito natural e, por isso, não tem fórmulas nem atrativos exteriores; não tem, portanto, com que prender as pessoas que se impressionam muito com a ornamentação, os cenários, os gestos artificiais ou cabalísticos. São elementos que ainda valorizam muito o lado acessório da vida e das coisas, muito mais do que o essencial. É gente que procura o ambiente espírita por necessidade, gente sincera, mas não fica integrada: vem, entra, gosta, mas não permanece. Paciência! É problema de opção, de foro íntimo. Cada qual deve procurar livremente o ambiente onde fique à vontade, sem constrangimento.
Se nem todos se adaptam à simplicidade do meio espírita, e é um fato que se observa constantemente, claro que não é o meio espírita que se deve modificar ou alterar seus estilos de convivência para se adaptar aos gostos alheios. Não. Somos o que somos. Há pessoas, no entanto, que, uma vez recebendo as luzes do Espiritismo, aderem logo, desprezam todos os formalismos e preconceitos do passado. É preciso ver, aí, a diferença, a desigualdade dos espíritos através da reencarnação. Paulo de Tarso, por exemplo, abriu mão imediatamente das correntes do passado quando sentiu a luz da mensagem do Cristo e tomou novo rumo. Mas nem todos, no grupo de Paulo, procederam assim. É história bem conhecida. Havia elementos, como se sabe, que não apoiavam o desligamento total nem imediato, mas, aos poucos, ainda conservando certos usos da tradição. Nem todos quantos se convertem às ideias espíritas, são do tipo de Paulo.
A reencarnação traz experiências, compromissos, provas e missões, como se sabe, mas também traz condicionamentos para muita gente, que renasce com bitolas do passado, e não é apenas durante uma existência que se desprende desses prejuízos. Sei de um presidente de Centro Espírita, velho companheiro, muito dedicado ao trabalho espírita, mas que fazia questão de ter um púlpito no centro. O orador ou conferencista naturalmente ficava embaraçado quando subia ao púlpito para "pregar” a Doutrina, como se fosse pastor ou sacerdote. E era bom trabalhador na seara espírita, porém, não dispensava o vezo antigo. Reminiscência da igreja, de onde viera, no interior de Minas Gerais. E o estudo da Doutrina Espírita não lhe tirou esse hábito.
Se alguns casos decorrem apenas de preconceitos, outros casos, no entanto, (levem ter alguma relação com ideias e costumes de outras existências. Se é certo que não devemos generalizar e dizer que tudo se explica pelo passado, também é certo que não podemos desprezar inteiramente o aspecto da reencarnanação, pelo menos em determinados tipos de comportamento. Quanta gente há, por aí, que já teve vivências orientais ou já pertenceu a fraternidades e escolas cabalísticas em tempos remotos... Não é fora de propósito admitir essa hipótese, dentro do quadro reencarnacionista. Há pessoas que embora nascidas aqui, educadas sob a influência dos costumes ocidentais, revelam tendências indisfarçáveis para as coisas do Oriente. Não houve pressão do meio nem houve mestres do orientalismo, mas a verdade é que muitas criaturas já renascem trazendo essas propensões às vezes irresistíveis. Gostam do simbolismo, ficam muito impressionadas com as vestes estilizadas, apreciam a linguagem mais figurada. Como, porém, nada disto existe no Espiritismo, e não há motivo para que deva existir, naturalmente estes elementos não se sentem bem nos Centros espíritas, pois não encontram neles o ambiente ideal. Não devemos criticá-los, pois o problema é de consciência, é de livre-arbítrio.
O modelo das igrejas espiritualistas dos Estados Unidos, onde se pratica o mediunismo sob feição diferente, imitando os templos protestantes, se fosse transplantado para cá, certamente agradaria muito mais a determinadas pessoas, não pela essência do ensino ou da mensagem que porventura se distribua, mas apenas porque nesses lugares há títulos de pastor, de reverendo, de ministro, por exemplo. Há ainda cerimônias de consagração, hinos, bênção pastoral e assim por diante. Muita gente se prende a isso e, por enquanto, só se sente bem onde haja exterioridades, honrarias humanas. As vezes é o reflexo da educação convencional, mais preocupada com a imponência e as distinções pessoais, e às vezes, é mais reminiscência do passado, é ainda o velho acervo de outras existências, em condições muito diferentes das condições atuais. O Espiritismo toca o coração, cria entusiasmo, tudo é belo e suave, mas no fundo, lá nas profundezas do EU, ainda está dormindo a saudosa lembrança de crenças muitos longínquas. E quem pode “torcer” a natureza de outra pessoa?... E quem pode fazer alguém ser o que NÓS desejamos que ele seja?... Cada qual é o que é. Não é o que gostaríamos que fosse. A experiência da vida que o diga.
Já vi, e não poucas vezes, gente simpática e inteligente chegar a Centros espíritas, exteriorizar desejo ardente de participar de nosso movimento e, logo depois, desaparecer, tomar outra direção, integrando-se em ambientes mais afins com suas inclinações. Lembro-me bem de uma organização espiritualista, que existiu no Rio de Janeiro. Não era uma sociedade espírita, e o fundador e diretor fazia questão de dizer sempre, com a maior franqueza:
— Ninguém venha aqui procurar uma sociedade espírita!
O criador desta organização viera do meio espírita e tivera, ao que dizem, certa projeção como conferencista em nosso meio, mas resolveu criar uma coisa nova, um culto especial. Deixou o movimento espírita, e fê-lo com toda a franqueza, sem menosprezar os princípios que antes defendera e propagara, e organizou uma sociedade espiritualista, semelhante a uma igreja, com seus hinos, seus rituais, etc. Quando subia à tribuna, fazia gestos de bênçãos, usando uma capa em forma de batina, começando a pregar, no culto semanal, aos domingos, em latim, para, segundo suas próprias palavras, solenizar o ato!
Fui ouvi-lo uma vez e percebi que utilizava muitas noções da Doutrina Espírita com referências também à reencarnação, mas a FORMA realmente nada tinha de comum a qualquer tipo de atos espíritas, infensos estes últimos, como é sabido, de qualquer tipo de liturgia. Seja como for, essas coisas exteriores atraíam muita gente, embora as ideias, em tese, fossem as mesmas ideias ensinadas e vulgarizadas nos Centros Espíritas. O aspecto formalístico, o conjunto externo e a expressão sacerdotal do pregador impressionavam muito, não há dúvida. Sei de gente que, tendo frequentado a Liga Espírita, por exemplo, e não encontrando ali qualquer motivação material, nem o convencionalismo de certos ambientes — passou a participar do novo culto!
A grande verdade é que há pessoas que ainda não estão preparadas espiritualmente para conviver em meios simples, embora se esforcem para demonstrar o contrário. Intimamente não se afinam com ambientes mais modestos. Há lugares, por exemplo, onde se dá muita ênfase aos títulos e às honrarias humanas, o tratamento de Excelência e assim por diante... No meio espírita, de um modo geral somos todos irmãos ou confrades, indistintamente, mas muitas pessoas ainda gostam mais de tratamento ornamental e, por isso mesmo, não se adaptam ao meio espírita. Tudo isso demonstra, finalmente, que nem todos quantos batem às portas de casas espíritas estão amadurecidos espiritualmente, como adverte a Doutrina. Já no tempo de Allan Kardec também era assim. Nem todos têm condições de compreender e sentir que a mensagem pura está exatamente na simplicidade sem farisaísmo, na modéstia sem pretensões de santidade, na humildade sem exibições devocionais. Muita gente, na realidade, ainda precisa amadurecer o espírito para poder penetrar no âmago da Doutrina. Enquanto isso não acontece, é natural que haja preferências por ambientes onde o exterior predomine sobre o interior. É questão de tempo, e nós não podemos ter a tola pretensão de querer acelerar o ritmo do tempo nas experiências de certas pessoas.
O meio espírita está sempre de portas abertas a todos, sem a menor discriminação social ou religiosa, mas os atos espíritas não podem ser modificados ou desfigurados em suas características autênticas a fim de que as conveniências de quem quer que seja encontrem ambiente adequado. Não podemos adotar superficialidades e artificialismos para atrair maior número de pessoas que ainda estão voltadas para outros centros de interesse. Cada qual deve adquirir sua própria experiência, situando-se na faixa de ação que seja mais compatível com as predisposições de seu espírito. Ninguém deve chegar ao Espiritismo por atração exterior ou sob a influência de persuasões.
- Para seguirmos corretamente o espiritismo, devemos submeter todas as mensagens mediúnicas ao crivo duplo de Kardec, sendo eles, a razão e a universalidade.
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