Lixo mental
Hermínio C. Miranda
Médiuns e demais participantes de grupos e centros queixam-se, às vezes, de que é difícil concentrar porque, mal conseguem aquietar a mente por alguns momentos, começam a surgir pensamentos e imagens indesejáveis, de baixo teor. É outro aspecto sobre o qual convém dizer uma palavra específica. Recorro, para isso, a um texto de minha autoria, publicado em Presença Espírita, de Salvador, BA, em maio/junho de 1984 e que se intitula Lixo mental.
Um amigo e confrade que trabalha no mundo mágico dos computadores chamou minha atenção, há tempos, para uma expressão do jargão cibernético que circula entre os seus técnicos, algo assim como: "de onde entra lixo só pode sair lixo". (Miranda, Hermínio, 1984)
Isto significa, naturalmente, que o computador dá exatamente aquilo que recebe, ou seja, ele responde dentro dos dados confiados à sua memória, segundo a programação nele instalada. Não inventa, nem cria; apenas analisa, compara e escolhe, como lhe foi ensinado. Só que faz isso com fantástica paciência e numa velocidade que não podem os seres humanos imitar.
Mesmo assim, dizia-me um instrutor especializado, nos Estados Unidos, na remota década de cinquenta, quando lá estive em trabalho e estudo, que o computador (que começava a engatinhar) era um instrumento burro (stupid). Um burro muito veloz, mas, ainda burro. Queria dizer com isso que o computador não tem capacidade criadora, a sua inteligência artificial fica dentro dos limites dos dados com os quais foi alimentada a sua memória, e sua eficiência depende, ainda, da sua capacidade de processamento e da competência de seus programadores humanos.
Se, portanto, os técnicos que o manipulam, alimentarem tais memórias com dados sobre a melhor maneira de destruir uma cidade, a máquina responderá, como lhe foi pedido, sem o menor remorso ou escrúpulo.
Vimos, na inteligente fantasia de Arthur Clarke, no filme 2001 - Uma Odisseia no Espaço, que o computador executa com a maior frieza e precisão o comando programado para eliminar a tripulação humana, caso esta criasse, como criou, qualquer dificuldade ao exato cumprimento da missão espacial em que estavam empenhados. No momento em que a máquina percebe o sinal de rebeldia, entra em ação o programa assassino. Ela simula um defeito e obriga a saída dos dois astronautas. Logo que eles se encontram lá fora, em pleno espaço, ela comanda o fechamento das escotilhas para impedir que retornem ao interior da nave. Que eles morram lá fora da maneira mais horrenda não é problema que a preocupe. Cabe-lhe, apenas, executar ordens, segundo um programa que ela não tem condições de discutir nem desobedecer, ou ponderar aspectos éticos, a não ser que, para isso, seja também programada, o que não era o caso ali. Não é para eliminar os dois homens? Qual a dúvida? Cumpra-se. Feito isso, seriam descongelados os seres hibernados, dentro da nave e tudo prosseguiria como se nada houvesse ocorrido.
É por isso que dizem que, se entrar lixo nele, só pode sair lixo, da mesma forma que, se for programado para dizer qual o melhor procedimento para ganharmos o Reino dos Céus, ele o fará, com a mesma competência e a mesma indiferença, aliás.
Também nós somos computadores. Superinteligentes e dotados de livre-arbítrio, programados para alcançar a paz e a felicidade totais, que o Cristo caracterizou como o Reino de Deus, explicando muito bem que esse Reino já está em nós, cabendo-nos, apenas, realizá-lo. Chegaremos lá, portanto, um dia. O único problema grave aí é que permitimos a entrada de uma quantidade espantosa de 'lixo mental' em nossas memórias e, por isso, a cada passo, o programa se desvia e acarreta atrasos imprevisíveis e lamentáveis, seculares, milenares até.
Que tipo de lixo mental? Tudo quanto você possa imaginar: ódio, vingança, crueldade, hipocrisia, insanidade, intolerância, indiferença... A lista é assustadora e arrasadora. E voluntárias as nossas opções.
Nem sempre, contudo, a gente percebe que está colocando lixo na memória. Por exemplo: uma leitura perniciosa, um filme pornográfico, anedota inconveniente, uma notícia escandalosa no jornal ou na tv, cena chocante na rua que, em vez de passar ao largo, vai ver de perto, para "conferir". Enfim, inúmeros atos de verdadeira morbidez espiritual, por melhor que sejam as intenções.
Digamos que você seja espírita e que frequente um grupo mediúnico sério e devotado à tarefa do socorro espiritual. É bem provável que, no momento crítico em que toda a sua atenção e concentração estão sendo exigidas e para levar a bom termo a tarefa coletiva, comecem a emergir dos recessos da memória certas cenas deprimentes, vistas ou lidas. A essa altura, já se cortou o fio da sua ligação com o trabalho. Em vez de servir aos que precisam de sua ajuda, você passa a dar trabalho aos mentores espirituais do grupo.
Eles precisam construir imediatamente um círculo de isolamento em torno de você para que, além de não ajudar, você, pelo menos, não atrapalhe. É que sua memória começou, de repente, a regurgitar o lixo que você colocou lá. E, como era de se esperar, nos momentos mais inoportunos.
Coincidência? Nada disso. Espíritos desarmonizados deram, aí, sua contribuição para que, no momento crítico, você fosse neutralizado. Basta induzir um mergulho em imagens prejudiciais à tônica da tarefa socorrista, que exige de nós, pelo menos enquanto estamos ali, certa dose de renúncia e um mínimo de pureza. Como poderá haver pureza se o lixo mental está acumulado nas memórias de nosso computador pessoal?
Se você é médium atuante, pior ainda o quadro, pois, como sabemos, os espíritos manifestantes operam prioritariamente com o material que encontram em nós. Se você acumula lixo dentro de si, eles irão encontrá-lo e dele se utilizarão. Ou, então, se é um espírito harmonizado que desejaria transmitir, por seu intermédio, uma mensagem de consolo ou de aconselhamento, como irá fazê-lo se só dispõe de lixo para elaborá-la?
Não é preciso concluir estas observações com longos conselhos e sermões.
Você sabe o que tem a fazer. É simples, claro e direto:
- Não ponha lixo mental na memória.
Aí termina o texto, mas, fica no ar uma pergunta que interessa ao nosso livro: uma vez que o lixo já está lá, como eliminá-lo?
A primeira observação a respeito é contundente e pode gerar até algo parecido com o desalento, mas aí vai ela: a memória é indelével. Tudo o que ela registrou é para sempre. Para não tomar aqui espaço, repetindo o que está dito em A memória e o tempo, convido o leitor a uma leitura desse livro. Enquanto isso, vale a pena reiterar: da memória nada se apaga.
Isso não impede, porém, que você procure policiar o seu pensamento e esteja bem atento e vigilante para que, ao menor sinal de que sua memória vá começar a regurgitar, você mude prontamente o rumo, bloqueando, com um pensamento diferente, positivo, tranquilizante e harmonioso, as imagens ou lembranças indesejáveis. Um bom recurso é a prece imediata e atenta, com o pensamento posto nas palavras que você está mentalmente recitando; não uma prece pré-fabricada que se repete maquinalmente sem saber o que se está dizendo. Se você fizer isso, ou seja, apenas repetir palavras, observará com desgosto que a tentativa de prece prossegue num nível subliminar, ou subconsciente, enquanto o consciente continua ocupado com o pensamento indesejável. Eis aí uma das muitas coisas que não se pode fazer desatentamente.
Mas, além de combater as lembranças indesejáveis, procurando bloquear o fluxo inoportuno, você precisa, também, mudar o mobiliário da sua casa mental, ocupando com ideias novas, positivas, construtivas, espaços da memória que, deixados na ociosidade, tendem a ser ocupados com as latas de lixo mental que, infelizmente, são recolhidas ao longo do tempo. O problema é que, mesmo varrendo o lixo para debaixo do tapete, ele continua ali, sabemos que ele está ali e que um dia pode espalhar-se novamente.
Quando falo em mobiliário, quero dizer: introduzir na memória somente - e tanto quanto possível - material selecionado com o mais atento cuidado. O livro é suspeito? Não o leia. O filme cuida de uma temática duvidosa ou francamente repulsiva? Não o veja. A conversa encaminha-se para uma rodada de anedotas inconvenientes? Disfarce e saia, se não conseguir mudar o seu rumo. A notícia de jornal é escandalosa? Leia outra coisa.
Isso não quer dizer, certamente, que você terá de virar asceta, mesmo porque, como informa o velho ditado, o hábito não faz o monge. O que o faz é uma atitude correta perante a vida e isto não se veste; conquista-se na luta, na vigilância, na atenção com que se critica previamente o material que vamos admitir à mente.
Do que se depreende que, em matéria de lixo mental, o caminho certo é o da profilaxia, da prevenção, muito mais do que o da terapêutica. Em outras palavras: é infinitamente melhor tomar a vacina para não se contaminar contra o vírus do que encher-se de remédios para se livrar dele, depois que o mesmo está instalado. Se conseguirmos que não entre mais lixo em nossa mente, já teremos alcançado importante vitória nas inúmeras batalhas da vida.
Insisto em dizer, contudo, que o médium, ou qualquer outro participante de trabalhos mediúnicos, não tem obrigação de levar uma existência monástica, preservado em atmosfera asséptica, dentro de uma redoma de vidro. A vida está aí para ser vivida, com as suas experiências, confrontos, vitórias, derrotas - pois estas nos ensinam, também, importantes lições. Como iriamos opinar sobre os problemas da vida - que são todos os problemas humanos - se não participamos dela? Como ajudar os que nos buscam com as suas aflições, se nunca soubermos o que é uma dificuldade, um problema, uma dor?
Nem a prática espírita em geral, nem a mediunidade em particular, exige como condição preliminar um estado de santidade de todos e de cada um. Sê assim fosse, não haveria ninguém entre nós, ou seriam raros aqueles em condições de exercer tais atividades. O importante em tudo isso é que não nos deixemos arrastar pelos chamamentos da inferioridade que remanesce em nós, em decorrência de antigas e recentes atitudes equívocas ou francamente desarmonizadas.
Sobre esse aspecto. Regina tem isto a dizer:
" ...o que mais temos dentro de nós são sensações negativas e deformadas, trazidas do passado. Por isso é muito mais fácil sintonizar com o negativo, do que com o positivo." Agora, como livrar-se? Isto já é mais difícil. Com exercícios constantes de autorreforma interior, meditando e orando muito. Pedindo ajuda aos amigos espirituais que nos mostrem as coisas erradas que há dentro de nós para possamos eliminá-las. Aceitando a nossa própria realidade de seres inferiores e cheios de mazelas morais e tentando nos melhorar, dia a dia. É uma luta enorme, difícil. Mas é o que nos cabe fazer. Não adianta querer ser bom e puro de uma hora para outra. Há que trabalhar, e muito mesmo. Carregamos séculos de erros e alguns anos (na existência atual) de boas intenções. É claro que não podemos mudar sem esforço."
Hermínio C. Miranda do livro:
Diversidade dos Carismas
Palestra sobre o tema na IBNL em 03/05/22.
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