O Corvo e a Raposa
Sonnet
Desconfiai dos aduladores: é a raça mentirosa; são as encarnações de dupla cara que riem para vos enganar; infeliz de quem nele crê, os escuta, porque as noções da verdade são logo pervertidas nele. E, no entanto, quantas pessoas se deixam prender nesse engodo mentiroso da adulação! Escutam com paciência o velhaco que acaricia suas fraquezas, ao passo que repelem o amigo sincero que lhes diz a verdade e lhes dá sábios conselhos; atraem o falso amigo, ao passo que afastam o amigo verdadeiro e desinteressado; para agradar-lhes, é preciso adulá-los, tudo aprovar, tudo aplaudir, achar tudo bem, mesmo o absurdo; e, coisa estranha! Repelem os conselhos sensatos, e crerão numa mentira do primeiro que chegue, se essa mentira lisonjeia suas ideias. Que quereis? Eles querem ser enganados e o são; e muito tarde, frequentemente, disso veem as consequências, mas então o mal está feito e, algumas vezes, não tem remédio.
De onde vem isso? A causa disto é quase sempre múltipla. A primeira, sem contradita, é o orgulho que os cega sobre a infalibilidade de seu próprio mérito que creem superior a todo outro; também o tomam sem dificuldade por tipo do senso comum; a segunda prende-se a uma falta de julgamento que não lhes permite ver o forte e o fraco das coisas; mas é ainda aqui o orgulho que oblitera o julgamento; porque, sem orgulho, eles desconfiariam de si mesmos e disso se reportariam àqueles que possuem mais experiência. Crede bem também que os maus Espíritos nisso não são sempre estranhos; eles gostam de mistificar, de estender armadilhas e quem pode melhor nelas cair do que o orgulhoso que se lisonjeia? O orgulho é para ele o defeito da couraça em uns, como a cupidez é em outros, e sabem habilmente disso aproveitarem, mas evitam com cuidado dirigir-se ao mais fortes do que eles, moralmente falando. Quereis vos subtrair à influência dos maus Espíritos? Subi, subi tão alto em virtudes que não possam vos alcançar, e então sereis por eles temidos; mas se deixais arrastar uma ponta de corda a ela se agarrarão para vos forçar a descer; chamar-vos-ão com sua voz melosa, gabarão vossa plumagem, e fareis como o corvo, deixareis cair o vosso queijo.
(Sociedade Espírita de Paris, 8 de agosto de 1862. - Médium, Sr. Leymarie.)
Publicado na Revista Espírita Out. 1862 - Allan KardecCurta nossa página no Facebook:
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