domingo, 24 de abril de 2016

Sofrimento

Sofrimento

Joanna de Ângelis





O homem empenha-se, afanosamente, para vencer o sofrimento, que se lhe apresenta com adversário soez.

Em todas as épocas, ele vem travando uma violenta batalha para eximir-se à dor, em contínuas tentativas infrutíferas, nas quais exaure as forças, o ânimo e o equilíbrio, tombando depois em mais graves aflições.

Passar incólume ao sofrimento é a grande meta que todos perseguem. Pelo menos, diminuir-lhes a intensidade ou acalmá-lo, de modo a poder fruir os prazeres da existência em incessantes variações.

Imediatista, interessa-lhe o hoje, sem visão do porvir. Com efeito, o sofrimento tem sido considerado vingança ou castigo divino, portanto, credor de execração e ódio.

Nas variadas mitologias, as figuras de deuses invejosos quão despeitados, infligindo punições às criaturas e comprazendo-se ante as dores que presenciam, são a resposta ancestral para o sofrimento na Terra.

Diversas escolas filosóficas e doutrinas religiosas, de alguma forma concordes com essas absurdas conceituações, estabeleceram métodos depuradores para a libertação do sofrimento.


Que vão desde as mais bárbaras flagelações (silícios, holocaustos, promessas e oferendas) ao ascetismo mais exacerbado, procurando negar o mundo e odiá-lo, a fim de, com essas atitudes, acalmarem e agradarem aos deuses ou a Deus.

Paralelamente, o estoicismo (indiferença e desprezo pelos males físicos e morais), herdeiro de alguns comportamentos orientais, tentou imunizar o homem, estimulando-o a uma conduta de graves sacrifícios que, sem embargo, é desencadeadora de sofrimento.

Para libertar-se desse adversário, a criatura impõe-se outras formas de dor, que aceita racionalmente, por livre opção, não se dando conta, do equívoco em que labora.

A dor, porém, não é uma punição. Antes, revela-se um excelente mecanismo da vida a serviço da própria vida.

Fenômeno de desgaste pelas alterações naturais da estrutura dos órgãos (à medida que a energia se altera advém à deterioração do invólucro material que ela vitaliza) essa disjunção faz-se acompanhada pelas sensações desagradáveis da angústia, desequilíbrio e dor, conforme seja a área afetada no indivíduo.

Desse modo, é inevitável a ocorrência do sofrimento na Terra e nas áreas vibratórias que circundam o planeta, nas quais se movimentam os seus habitantes.

Ele faz parte da etapa evolutiva do orbe e de todos quantos aqui estagiam, rumando para planos mais elevados.

Na variada gênese do sofrimento, todo esforço para mitigá-lo, sem a remoção das causas, não logrará senão paliativos, adiamentos.

Mesmo quando alguma injunção premie o enfermo com uma súbita liberação, se a terapia não alcançou as razões que o desencadeiam, ele transitará de uma para outra problemática sem conseguir a saúde real.

Isso porque, em todo processo degenerativo ou de aflição, o Espírito, em si mesmo, é sempre o responsável, consciente ou não.

E, naturalmente, só quando ele se resolve pela harmonia interior, opera-se lhe a conquista da paz.

Em tal situação, mesmo ocorrendo os processos transformadores da ação biológica, o sofrimento disso decorrente não afeta a emoção nem se transforma em causa de danos.

À semelhança de outros automatismos fisiológicos, a consciência não lhe registra a manifestação.

O sofrimento, portanto, pode e deve ser considerado uma doença da alma, que ainda se atém às sensações e opta pelas direções e ações que produzem desequilíbrio.

Nesta fase, dos interesses imediatos, todo um emaranhado de paixões primitivas propele o ser na direção do gozo, sem a ética necessária ou o sentimento de superior eleição, e o atira nos cipoais dos conflitos que geram a desarmonia das defesas orgânicas, as quais cedem à invasão de micróbios e vírus que lhes destroem a imunidade, instalando-se, insaciáveis, devoradores.

Da mesma forma, os equipamentos mentais hipersensíveis desajustam-se, abrindo campo à instalação das alienações, das obsessões cruéis.

Por extensão, pode-se dizer que o sofrimento não é imposto por Deus, constituindo-se eleição da cada criatura, mesmo porque, a sua intensidade e duração estão na razão direta da estrutura evolutiva, das resistências morais características do seu estágio espiritual.

É a sensibilidade emocional que filtra a dor e a exterioriza. Com ela reduzida, as agressões de toda ordem recebem resposta de violência e agressividade.

Nas faixas mais primitivas da evolução, os fenômenos dor, desgaste, envelhecimento e morte, porque quase destituídos os seres de raciocínio e emotividade, que ainda se lhes encontram em germe, seguem uma linha direcional automatista, na qual as exceções atestam o trânsito da essência psíquica para estágios mais elevados.

Decorre disso que o sofrimento é maior nas áreas moral e emocional, que somente se encontram nos portadores de mais alto grau de evolução, de sensibilidade, de amor, capazes de ultrapassar tais condições, sobrepondo-se lhes mediante o controle de que se fazem possuidores, diluindo na esperança, na ternura e na certeza da vitória as injunções aflitivas.

Fugir, escamotear, anestesiar o sofrimento são métodos ineficazes, mecanismos de alienação que postergam a realidade, somando-se sempre coma a sobrecarga das complicações decorrentes do tempo perdido.

Pelo contrário, uma atitude corajosa de examiná-lo e enfrentá-lo representa valioso recurso de lucidez com efeito terapêutico propiciador de paz.

As reações de ira, violência e rebeldia ao sofrimento mais o ampliam, pelo desencadear de novas desarmonias em áreas antes não afetadas.

A resignação dinâmica, isto é, a aceitação do problema com uma atitude corajosa de o enfrentar e remover-lhe a causa, representa avançado passo para a sua solução.

É de insuspeitável significação positiva o equilíbrio mental e moral diante do sofrimento, o que se consegue por meio do treinamento pela meditação, pela oração, que defluem do conhecimento que ilumina a consciência, orientando-a corretamente.

Conhecer-se, na condição de Espírito imortal em processo evolutivo mediante as experiências reencarnatórias, representa para o homem alta aquisição de valores para compreender, considerar e vencer o sofrimento, que faz parte do “modus operandi” de todos os seres.

Muitas pessoas advogam que o sofrimento é a única certeza da vida, sem compreenderem que ele está na razão direta da conduta remota ou próxima mantida para cada qual.

Pode-se dizer, portanto, que a sua presença resulta do distanciamento do amor, que lhe é o grande e eficaz antídoto.

Interdependentes, o sofrimento e o amor são mecanismos da evolução. Quando um se afasta, o outro se apresenta. Às vezes, coroando a luta, na reta final, ei-los que surgem simultaneamente, sem os danos que normalmente desencadeiam.

A história dos mártires atesta-nos a legitimidade do conceito. Acima de todos eles, porém, destaca-se o exemplo de Jesus, lecionando, pelo amor, a vitória sobre o sofrimento durante toda a Sua vida, principalmente nos momentos culminantes do Getsêmani ao Gólgota, e daí à ressurreição.


"Os fenômenos da vida podem ser comparados a um sonho, a um fantasma, a uma bolha, a uma sombra, a uma orvalhada cintilante ou a um raio luminoso, e como tal deveriam ser contemplados."(Buda)





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