A tarefa recusada
Irmão X.
Atanásio, o devotado orientador espiritual de grande grupo doutrinário, admitido à presença de nobre mentor dos planos elevados, explicou-se comovido:
— Nobre amigo, venho até aqui solicitar-vos providência inadiável.
— Diga, irmão — respondeu carinhoso o interpelado, — a Bondade Divina nunca nos faltará com recursos necessários aos serviços justos.
— É que o nosso grupo na esfera do Globo — esclareceu o mensageiro, evidenciando sublimes esperanças — precisa estabelecer tarefa curativa, com a cooperação dos companheiros encarnados. Nossos trabalhos são visitados diariamente por enormes fileiras de criaturas necessitadas de amor e consolação. Como não ignorais, generoso amigo, há na Terra corações esterilizados pelo sofrimento, espíritos endurecidos pelas desilusões, almas cristalizadas na amargura... Permiti-me integrar alguns dos irmãos na posse dos bens de curar. Semelhante concessão seria motivo de enorme contentamento entre os operários espirituais da casa de serviço confiada ao meu coração.
A entidade superior refletiu alguns instantes e considerou:
— A tarefa, tal qual você a solicita, não pode dispensar a contribuição de cooperadores humanos. E dispõe você de auxiliares dispostos às dificuldades e tropeços do princípio e sinceramente interessados em servir o Senhor, na atividade de assistência aos que padecem?
Atanásio deixou perceber enorme confiança a lhe vibrar nos olhos muito lúcidos e sentenciou:
— Oh!!! temos numerosos cooperadores, dos quais devo esperar a melhor compreensão. É incrível não se rejubilem todos com a dádiva tão honrosa! Entenderão o sagrado objetivo, colocando sobre todas as atividades os divinos interesses do Senhor.
— Pois bem, aceitando-lhe as afirmativas, não tenho qualquer objeção aos seus bons desejos.
E, num gesto significativo, o nobre mentor determinou que se lhe apresentassem dois companheiros de trabalho.
Dirigindo-se a ambos, observou generosamente:
— Abel e Jonas, ficam vocês incumbidos de se encaminharem à Terra, junto a Atanásio, na qualidade de portadores dos recursos necessários ao estabelecimento de tarefa curativa no grupo doutrinário que lhe recebe orientação. Como responsável pela providência, indicará ele quais os irmãos a quem se deverão entregar as dádivas do nosso plano.
Após ligeira confabulação afetuosa, voltou o orientador, esperançoso e otimista, em companhia de ambos os embaixadores das novas bênçãos.
Chegados ao grupo terrestre, desdobravam-se os serviços de uma das sessões semanais.
Ao término dos trabalhos, o velho Augusto Pena, que dirigia a assembléia, comentou sob a inspiração direta do condutor espiritual da casa:
— Meus amigos, findas as preleções evangélicas, cumpre-me recordar a necessidade premente de instituirmos serviços de assistência fraternal, em nossa tenda de atividades espirituais. Em vista de trazer o Senhor tantos famintos, enfermos e aflitos às nossas portas, creio chegado o instante de multiplicarmos energias para atender ao trabalho justo de socorro àqueles que o Mestre nos envia. Entretanto, neste particular, não temos organizações mediúnicas definidas. Esta realidade, porém, não nos exime da obrigação de entender as sagradas palavras “batei e abrir-se-vos-á”.
Necessitamos, por nossa vez, bater à porta da realização, não com impertinência, mas com o sincero desejo de atender aos propósitos divinos. Não devemos tentar a colheita de fruto que não amadureceu; mas, devemos adubar a árvore, proteger-lhe as flores e oferecer-lhe condições adequadas à frutificação. Estou certo de que as faculdades curadoras não chegarão milagrosamente; contudo, precisamos começar nosso esforço, oferecendo sentimento e possibilidades ao Senhor Jesus. Se é verdade que ainda não dispomos de elementos para subtrair a inquietação ao aflito ou a doença ao enfermo, é possível, pelo menos, amá-los e ajudá-los.
Uma faculdade superior é a síntese de grande conjunto de experiências e note-se que me refiro à faculdade superior, porquanto, no terreno comum, as faculdades naturais pertencem a todos. Ora, um médico de valor não se forma em alguns dias e é indispensável recordar que o Senhor nos concedeu na Terra não só uma esfera de purificação, mas também vasta universidade de trabalho, onde toda criatura pode preparar-se para o Mais Alto, desde que não desdenhe a luz da boa-vontade.
Depois de longa pausa, na qual observava o efeito de suas palavras, o orientador concluiu:
— Desejaria, pois, conhecer quais os companheiros que estarão dispostos a iniciar semelhante serviço. O trabalho constará de aproximação afetuosa, aqui no grupo, de todos os doentes ou necessitados, no sentido de se lhes proporcionar o conforto possível.
Distribuiremos passes magnéticos, remédios, água efluviada e, sobretudo, conversações sadias. Creio que a palestra sã, inspirada em Jesus, pode ser muito mais eficaz nos enfermos do que a própria medicação. Esses trabalhos, porém, deverão ser ininterruptos.
Precisamos de companheiros que perseverem no bem, sem ideia de vantagens, consolações próprias ou recompensas individuais. Convencido estou de que a Celestial Bondade virá ao encontro dos que insistirem fielmente nas obras do amor, coroando-lhes o espírito de serviço com os mais sublimes patrimônios para a eternidade.
Silêncio inesperado seguiu-se ao apelo do orador.
Necessitando sondar o ânimo da assembleia, o velhinho começou a interrogar individualmente:
— A senhora, D. Joaquina, que me diz?
A interpelada exibiu sorriso vago e respondeu:
— Ora, Sr. Pena, quem sou eu? Não presto para coisa alguma.
O doutrinador fez um gesto de resignação e continuou:
— Qual a sua opinião, Sr. Tavares?
Mas o Sr. Tavares, fazendo desagradável carantonha, explicou-se, sem preâmbulos:
— Sou um miserável, meu amigo, sou indigno e nem mereço a atenção da pergunta.
— Como interpreta o plano de serviço, Sr. Ferreira? — inquiriu Pena a outro amigo.
— Sou um desgraçado pecador — replicou o interpelado —, não tenho qualidades para pensar nisto.
O velhinho prosseguiu, sem desânimo:
— E a senhora, D. Bonifácia?
— Eu? eu? — exclamou aflita uma velhota que se mantinha em funda concentração — não posso, não posso... Sou uma ré de outras existências, minhas misérias são intermináveis...
— Sr. Antonio — continuou o velho, paciente —, que me fala do projeto exposto?
— Sou muito imperfeito, sou um criminoso! — respondeu Antonio, amedrontado —, sou indigno de assistir alguém em nome de Jesus.
E, no mesmo diapasão, não houve ali quem aceitasse a incumbência espiritual. Alguns estavam ocupados com o trabalho, outros com a família. A maioria declarava-se miserável.
Ninguém possuía dez minutos por dia, nem um centímetro de bondade para o serviço proposto. Todos se afirmavam por preocupações ou totalmente indignos.
O doutrinador decepcionado encerrou o assunto, prometendo voltar ao caso em breves dias.
Na esfera invisível, todavia o quadro era mais comovente.
Enquanto Abel e Jonas sorriam, Atanásio fazia o possível por dissimular as lágrimas.
— Como vemos — disse Abel ao orientador, com grande bondade —, parece que a casa ainda não se encontra disposta a receber a tarefa. Todos os componentes se declaram ocupados, miseráveis, imperfeitos ou criminosos.
— Sim, sim — tentou Atanásio, triste —, meus companheiros, por vezes, são demasiadamente humildes.
Nesse instante, porém, fez-se visível, entre os três, a nobre figura do benfeitor espiritual que determinara a concessão, exclamando:
— Não sofra, meu caro Atanásio; mas também não fuja à verdade dos fatos. Seus tutelados são fracos, porém não humildes. Onde está a humildade, há disposição para servir fielmente a Jesus. O verdadeiro humilde, embora conheça a insuficiência própria, declara-se escravo da vontade do Senhor, para atender-lhe aos sublimes desígnios, seja onde for. Aqui, como acontece na maioria das instituições terrestres, todos querem colher, mas não desejam semear.
Gozam direitos e regalias; no entanto, fogem a deveres e eximem-se a qualquer compromisso mais sério. E por exibirem títulos falsos, antes de conhecerem as responsabilidades e os esforços que lhes são consequentes, terminam sempre as lutas pessoais entre sombra e confusão!...
Vendo que Atanásio chorava, mais comovedoramente, o elevado mentor concluiu:
—Não se inquiete, contudo, desse modo, meu caro amigo. Por termos sido frágeis, ignorantes ou piores no passado, o Mestre Divino nunca nos abandonou. As afirmativas de seus tutelados não são filhas da humildade, nem demonstram firmeza de conhecimento de si mesmos; mas, enquanto a tarefa permanece adiada por eles, continuemos trabalhando.
Irmão X. por Chico Xavier do livro:
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- Cisão para estudo de acordo com o Art. 46 da Lei de Direitos Autorais - Lei 9610/98 LDA - Lei nº 9.610 de 19 de Fevereiro de 1998.
kkkkk Muito igual a alguns centros que conheço e até igual a mim. Para mim este texto foi uma ótima lição. Otimo texto!!!
ResponderExcluirMuita luz!
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