quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Assistência mútua


Assistência mútua

Hilário Silva





O grupo de companheiros espíritas fazia o trabalho de assistência aos enfermos, com entusiasmo e alegria.

Em casa de Dona Carlota Ribas, o quadro era comovente.

A pobre senhora, assistida pelos vizinhos, jazia paralítica, como que algemada ao catre.

Sofria. Contorcia-se de vez em quando, em vista da posição incômoda. Doía ver-lhe a magreza extrema.

-Se Dona Carlota pudesse ao menos instalar-se numa boa cadeira de rodas...

A observação vinha de alguém que integrava a caravana; entretanto, os visitantes eram pessoas remediadas, sem serem ricos, e ninguém se arriscou à promessa de doação de apetrecho assim tão caro.

Joaquim Peixoto, no entanto, que conhecera no próprio lar o martírio silencioso da sogra doente, mostrava os olhos marejados de pranto, e falou à esposa, igualmente comovida:

- Veja, Lilinda! Tenho a impressão de reencontrar a nossa querida enferma que Deus levou...

Dona Lilinda concordou em silêncio, mal contendo a emoção.

Mais tarde, em casa, Peixoto dirigiu-se à companheira, considerando:

-Lilinda, você compreende...Temos aqui a cadeira de rodas deixada por sua mãe. É uma relíquia, bem sei. Entretanto, como será grande a alegria de Dona Carlota, se lhe entregarmos essa doce herança como presente!...

A interpelada esboçou um gesto de repulsa e falou:

- Impossível! A cadeira de mamãe foi primorosamente trabalhada na Alemanha...Tem a bolsa anexa com espelho incrustado de pérolas de que ela tanto gostava! Já enjeitamos vinte contos de réis! Você ganha pouco. Até hoje sou obrigada a dar o pé na máquina de costura, embora as promessas de nomeação para o magistério...A cadeira de mamãe é uma reserva que não podemos menosprezar...

Quando a dificuldade maior aparecer...

Peixoto não prosseguiu.

No dia seguinte, porém, ao chegar do serviço para o almoço, encontrou Dona Lilinda com a face clareada por enorme sorriso, a dizer-lhe, contente:

- Peixoto! Peixoto! mudei de ideia. Sonhei com mamãe a pedir-me para que atendesse a você...Vamos levar, hoje mesmo, a cadeira de rodas para Dona Carlota...

Dessa vez, no entanto, foi o marido quem se mostrou acabrunhado...

- Ora, Lilinda – disse ele -, agora é tarde...

Já comprei uma cadeira, mais humilde, embora muito confortável, e já a mandei para a nossa doente...

Sei que você não se aborrecerá comigo...Pagarei tudo em seis prestações.

Dona Lilinda ouviu a notícia, imensamente desapontada.

Pesado silêncio caiu entre ambos.

Nisso, alguém bate à porta.

Peixoto abre.

É um rapaz modesto que se dirige ao casal, consultando:

- Sr. Peixoto, vovó soube por amigos que o senhor e Dona Lilinda possuem uma cadeira de rodas em casa...Não sei se quererão vendê-la, mas, francamente, se assim é, não poderemos fazer a compra. Vovó está paralítica, há dois meses, com muito pouca esperança de cura...Foi professora e ganha regular vencimento. Mas somos oito irmãos, seis dos quais ainda não têm doze anos de idade...

Vovó manda saber se o senhor e Dona Lilinda poderão emprestar-lhe a cadeira por algum tempo...

A dona da casa voltou a sorrir novamente e exclamou, encantada:

- Peixoto e eu vamos levar-lhe a cadeira hoje ainda...Nada de empréstimos...A cadeira é dela, será dela sempre...

O mocinho agradeceu, contente, e, na tarde do mesmo dia, o casal procurou a casa indicada, transportando a encomenda.

Dona Umbelina, a paralítica, rodeada dos netinhos órfãos, chorou de felicidade.

Enfim, a cadeira sonhada...

Enfim, repousava, como queria...

Lilinda e Peixoto acomodam-na com jeito.

A enferma pede a Deus para que os abençoe e pergunta à benfeitora:

- A senhora tem alguma irmã que deseje trabalhar?

- Como assim? – inquire Lilinda, surpresa.

- Alguma jovem professora, por exemplo? Deixei os encargos no colégio, jubilada desde anteontem. Minha diretora, porém, solicita que indique a minha substituta...

Emocionada, a visitante fala do diploma conseguido à custa de muito esforço e do velho sonho de ingressar nos trabalhos do ensino público...

Depois de dois meses sobre o encontro expressivo, a senhora Peixoto entrava no educandário, cercada de simpatia.

A bondade gerara a bondade, e uma cadeira de carinho e repouso trouxera outra de serviço e educação.


Hilário Silva por Chico Xavier/Waldo Vieira do livro: - Almas em desfile



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário, sugestão, etc...