domingo, 23 de fevereiro de 2020

Uma ética para a genética

Uma ética para a genética

Hermínio C. Miranda



Todo um universo de insuspeitadas dimensões está surgindo da penetração da pesquisa pelos domínios da Biologia. Tamanha é a massa de informação que está sendo colhida e tão extraordinário o seu conteúdo que muitos cientistas, fascinados pela excitação intelectual do êxito, imaginam-se novos deuses capazes de criar a vida à sua imagem e semelhança. Não sabem que, longe disso, estão apenas começando a descobrir os maravilhosos segredos que Deus coloca nas coisas que faz. 

O nosso futuro está sendo jogado em partidas pesadas nos laboratórios do presente por homens e mulheres de ciência que têm o seu próprio código de ética, que talvez não seja o que melhor convém à sociedade humana. É que nesse verdadeiro exército de cientistas, são percentagem desprezível aqueles que têm consciência da grandeza de Deus e do sentido espiritual da vida. Vendo-os trabalharem nos seus magníficos laboratórios, concentrados no estudo do homem, ocorre a nós, que estamos voltados para a realidade espiritual, a nítida impressão de que estão estudando os componentes materiais de marionetes, mas ignorando totalmente a consciência e as motivações que fazem os bonecos se moverem. Ah!, que falta nos fazem cientistas espíritas que se dedicassem, com reverência e amor, ao estudo das forças que impulsionam a vida e lhe dão forma e sentido e não apenas dos componentes materiais em que ela se apoia! 

Surgem, por isso, dilemas atrozes que envolvem milhões de seres. “Se permitirmos que os fracos e os deformados vivam — diz o doutor Theodosius Dobzhansky — e propaguem a sua espécie, teremos de enfrentar um crepúsculo genético. Mas, se os deixarmos morrerem ou sofrerem quando podemos salvá-los, enfrentaremos a certeza de um crepúsculo moral.” 

A equação não está bem armada, porque a pesquisa ainda não recebeu o impulso correto na direção certa. O pensamento deve ser reformulado. Que processos espirituais ou psicossomáticos desencadeiam deficiências físicas? Podem ser revertidos? Podem ser evitados? Podemos impedir que se propaguem? Certamente que essas possibilidades poderão ser exploradas com segurança, a partir do instante em que o cientista se convencer de que o homem não é meramente um mecanismo biológico, mas um ser espiritual. O problema é realmente difícil para aquele que não aceita, nem como hipótese de trabalho, a realidade espiritual . É que, para atuar no mundo material, o espírito precisa ter na matéria os contatos e as “tomadas” necessárias, junto aos quais atua através do seu perispírito. 

Até que se assuma tal posição, no entanto, muita desorientação ainda há de provocar danos imprevisíveis aos processos da vida e, por conseguinte, ao homem de futuras gerações. É que, sem o saber, a ciência está interferindo em alguns dos dispositivos da própria reencarnação, ao manipular genes, na tentativa de acelerar ou provocar desvios no sistema evolucionista da vida. O homem moderno tem pressa; não quer esperar pela sabedoria das leis divinas. Está, assim, tentando obrigar a natureza a dar saltos, coisa que ela nunca fez. Os planos são muitos e cada qual mais mirabolante. Ainda na infância espiritual, os homens de ciência descobriram no universo do ser um imenso e imprevisto quarto de brinquedos, os brinquedos da vida. Os projetos são inúmeros e o limite é a imaginação de cada um. Um deles é aumentar a caixa craniana para ter homens mais inteligentes. E fazer o que com a inteligência?, perguntamos nós. Os astronautas não precisam de pernas; portanto, vamos mexer nos genes para criar homens sem pernas. A mulher deseja filhos? É fácil: faça-se nela a inseminação com material genético devidamente estudado e preparado. Quer filhos, mas não deseja a gravidez? Implante-se seu óvulo em mãe mercenária. Quer filhos homens, de olhos azuis e cabelos louros? Basta alterar os genes, no ponto certo, tirando partículas e acrescentando outras. Se homens e mulheres desejarem conservar do sexo apenas o prazer momentâneo, então os seres poderão ser criados em úteros artificiais, em série, fabricados em incubadeiras coletivas, às quais qualquer um poderá encomendar seus filhos pelo crediário, com rígidas especificações, como se fosse um novo automóvel. Se o país precisa de um novo exército “gera-se” um, clonizando células de grandes militares. Para transmitir conhecimentos, basta injetar as “células da memória” de um ser que sabe noutro que não sabe. Para preservar a vida física indefinidamente, pensam os biologistas em clonizar seres humanos de reserva, que ficariam cuidadosamente depositados em congeladores para fornecerem “sobressalentes”, tais como coração, pulmões, rins, braços ou pernas, e até cabeças novas para aqueles que se desgastaram pelo uso ou abuso. 

Há planos para criar um monstro meio homem meio máquina, chamado “cyborg”, que seria um cérebro vivo, ligado a um mecanismo que apenas servisse às suas limitadíssimas necessidades. Já se pratica a técnica da criogenia, segundo a qual se congelam as pessoas doentes ou desgostosas da vida para que no futuro, quando for possível resolver os seus problemas biológicos ou psicológicos, sejam trazidas de volta à vida ativa. E o espírito? Disso ninguém cuida, dele ninguém sabe, por ele ninguém se interessa. 

Os centros das sensações estão sendo identificados e “mapeados” nas ignotas regiões do cérebro. A introdução de elétrodos em determinados pontos provoca sensações novas e extraordinárias. Experiências feitas em ratos levaram os pobres animais a uma completa alucinação, na busca desesperada do prazer, até a morte por exaustão, completamente desinteressados de tudo o mais, inclusive alimentação e atividade sexual. Descobertas como estas criam problemas imprevisíveis de comportamento futuro. Já há quem preveja “centros de experimentação” em substituição às drogas, aos bares e aos cafés, onde as criaturas se reuniriam para viverem horas de prazeres nunca dantes experimentados, ligados a uma aparelhagem verdadeiramente diabólica. 

Sensações artificialmente provocadas levariam a um mundo onde tudo o mais seria secundário. Edgar Cayce, o notável médium americano, falou muitas vezes, nas suas comunicações (“readings”), que os cientistas da Atlântida haviam adquirido controles sobre seres que passaram à condição sub-humana, porque desde o nascimento recebiam implantações de alguns instrumentos no cérebro e se tornavam (Cayce chamava-os de “coisas” — Things) escravos-robôs. José Delgado, um fisiologista americano, realizou experiências conclusivas segundo as quais consegue deter, a poucos metros, um touro enfurecido, enviando-lhe, por meio de um transmissor de rádio, uma determinada faixa de onda à região onde o animal tem implantado um elétrodo. 

Acham outros cientistas que, retirando de um indivíduo alguns componentes genéticos podem reproduzi-lo à vontade, com todas as suas características físicas — cor de pele, dos olhos e dos cabelos — e ainda com absoluta identidade mental e espiritual.  Seria assim, fácil criar um milhão ou dois de novos Lincolns ou Einsteins. É claro que, se isso fosse possível, não faltaria quem desejasse criar uma quadrilha inteira de Al Capones ou uma nação de Hitlers. Nesse ponto, o embriologista Robert T. Francoeur, autor de “Utopian Motherhood” (“Maternidade Utópica”) diz um — basta! — que é um brado de alerta: “Xerox de gente? Não deveria ser praticada em laboratório, nem mesmo uma só vez, com seres humanos.” 

A questão é que os cientistas escolhem seus métodos e decidem sua própria ética. E é por isso que já se pensa nos Estados Unidos, a sério, na proposição de leis que instituam um código ético básico para traçar limites ao que pode ou que não pode ou não deve ser realizado, em laboratórios, com o ser humano. O problema é, no entanto, muitíssimo mais complexo, porque a tais atitudes respondem muitos cientistas declarando a impossibilidade de pesquisar dentro de faixas rigidamente determinadas por legisladores que não estão preparados para decidir questões de âmbito científico. 

Por outro lado, mesmo que seja possível estabelecerem, os próprios cientistas, um código voluntário de ética, quem poderá assegurar a aplicação ética das descobertas que forem realizadas? Isso porque a ciência pura não se interessa — em princípio — pela utilização dos seus “achados”. Os homens que começaram a desvendar os segredos do átomo talvez não permitissem que se atirassem bombas sobre populações indefesas, se para isso tivessem autoridade política e militar, mas os que jogam bombas não são os mesmos que descobrem os processos de liberação da energia nuclear. 

Não é minha intenção, neste brevíssimo e incompleto sumário, inquietar ou assustar o leitor, mas creio que é útil a todos nós dar essa espiada ligeira em alguns dos problemas que estão ocupando os melhores intelectos do mundo moderno. Não podemos, no entanto, livrar-nos de uma pesada e opressiva sensação de melancolia, ao vermos que tanto esforço, tempo, dinheiro e talento são colocados na tentativa infantil de “corrigir” a obra de Deus. Nessa atmosfera de ficção científica, onde tudo é possível para os cientistas, onde está o espírito? Onde está Deus? Vemos, desalentados, que essas entidades não são tomadas em consideração nem mesmo como hipóteses de trabalho, para ajudar o raciocínio ou testar experimentações incompreensíveis, quando deveriam ser a base, o princípio dominante de toda a especulação em torno dos fenômenos da vida, manifestação legítima da grandeza infinita de Deus. 

Ao contrário, o que vemos, nessas pesquisas e nesses estudos, são homens brilhantíssimos, donos das mais respeitáveis culturas técnicas, trabalhando nos mais avançados laboratórios mas de cabeça baixa, voltados para a matéria, só matéria, matéria sempre, sem saberem que o átomo é apenas o suporte transitório da vida, muleta de que o ser precisa por algum tempo, no início da sua carreira evolutiva na sua escalada para o infinito, na direção de Deus. 

Para tomar um só exemplo, vejamos o que está sendo pesquisado em torno da memória. A história começa com a sensacional descoberta do RNA (ácido ribonucleico) e do DNA (ácido desoxirribonucleico), ingredientes básicos do gene existente nas células de todos os organismos vivos. Esse achado científico foi considerado tão importante quanto a desintegração atômica, porque foi surpreender fenômenos da vida nas suas bases de sustentação e propagação. Na realidade, as pesquisas vão de tal forma adiantadas que Arthur Kornberg, da Universidade de Stanford, conseguiu produzir uma fieira de moléculas de DNA capaz de reproduzir-se, tal como um vírus. 

Experiências posteriores, partindo do conhecimento obtido acerca do comportamento do RNA, sugerem a possibilidade de transferir informações armazenadas na memória de um ser para a memória de outro, mas os próprios cientistas ainda têm muitas dúvidas sobre a validade dos dois testes feitos, que não acham bastante conclusivos. No entanto, já se partiu para a especulação das possibilidades e perspectivas resultantes da experimentação. Alguém imaginou as “pílulas de conhecimento” que, compradas na drogaria ali da esquina, poderiam proporcionar àquele que as ingerisse conhecimento de línguas, de arte ou de matemática. A coisa, porém, não é tão simples assim, porque então, como diz James McConnell, psicólogo da Universidade Michigan, para que desperdiçar todo o vasto conhecimento adquirido por um eminente professor? Em lugar de aposentá-lo ao cabo de uma vida de trabalho, a solução melhor seria os alunos comerem o mestre... 

Brincadeira ou não, o certo é que as aventuras no domínio da genética e da biologia prosseguem na ignorância total da condição espiritual do homem. 

Wilder Penfield, um cirurgião canadense, ao realizar uma operação cerebral com anestesia local, descobriu que certos pontos do cérebro, eletricamente estimulados, levavam o paciente a ouvir uma canção antiga, ou a reviver, com todos os seus vívidos pormenores, uma esquecida cena da infância, ou uma senhora a experimentar, novamente, as sensações de uma antiga gravidez. Daí concluíram alguns cientistas que o cérebro tem capacidade para registrar e conservar com precisão incrível todas as sensações que receba, por menos importantes que sejam. O Espiritismo sabe disso há muito tempo, ensinando que esse registro se faz no perispírito, mesmo porque as memórias que guardamos não são apenas as desta vida, mas as das anteriores também, até onde alcançar a nossa consciência. A demonstração disso está no fenômeno da regressão de memória. 

Alguns pesquisadores suspeitaram, a seguir, de que as memórias eram arquivadas por meio de impulsos elétricos, mas onde guardar tanta informação — bilhões e bilhões delas — no simples compartimento de um cérebro? Experiências posteriores vieram demonstrar que animais de laboratório conservam a lembrança do que aprendem, mesmo quando a atividade elétrica de seus cérebros é afetada por frio intenso, drogas ou choques. Ficava prejudicada apenas a lembrança de fatos recentes; os mais antigos persistiam, a despeito das condições adversas. Conclusão — pura e inteiramente materialista: a de que algo de mais permanente era necessário para explicar a persistência da memória a qual, portanto, não poderia ser arquivada num simples impulso elétrico, que facilmente se descarrega; a base da memória seria, então, um composto químico! Estudando mais o assunto, descobriram que, realmente, a mensagem levada por um nervo somente passa de uma célula à outra quando existem entre elas certas substâncias químicas, que funcionam como transmissoras. Com esta conclusão, ainda preliminar, é verdade, mas admitida por muitos, a memória não passaria de um conjunto de informações guardadas numa substância química. Dispersada a substância com a morte do indivíduo, tudo se perderia para sempre. Quer dizer: não saímos do círculo vicioso do materialismo estreito, por mais que os homens estudem, por mais que pesquisem e por mais ricos que sejam os seus laboratórios reluzentes. 

Abismado pelas complexidades e grandezas da biologia molecular, o homem ainda não aprendeu a ser humilde diante da obra de Deus e perguntar, como George Washington Carver, o que desejou o Criador dizer com as maravilhosas coisas que fez. Em lugar disso, o homem quer criar e corrigir a obra da natureza, uma obra de que ele ainda não entendeu nem os princípios fundamentais. 

Vejamos, por exemplo, uma lição de humildade. Há uma bactéria no aparelho digestivo chamada “escherichia coli”. Uma colher de chá de DNA dessa bactéria é capaz de armazenar informações que somente seria possível fazer-se com um computador cuja memória tivesse 160 quilômetros cúbicos! Mas, isso não é nada, porque o homem possui  mil vezes mais DNA do que a bactéria. E mais ainda: certos animais marinhos, como a salamandra, ou mesmo vegetais, como a alga, têm ainda muito maior quantidade de DNA que o homem. Assim, a despeito da extrema miniaturização dos computadores, a capacidade de armazenamento do cérebro humano ainda lhe é fantasticamente superior. Já imaginaram um homem com um cérebro de 160.000 quilômetros cúbicos? E os cientistas ainda não sabem que o ser humano traz em si, também, as memórias de inúmeras vidas passadas... 

Todas essas descobertas e debates estão preocupando os pensadores, teólogos e filósofos dos tempos modernos. Que vai sair desses laboratórios ameaçadores? Um ser artificial? Um “cyborg” a ditar ordens implacáveis? Multidões clonizadas por cópias, como xerox? Seres sem alma? Nada disso. Se forem criadas artificialmente as condições existentes na mais profunda e sagrada intimidade do organismo materno, então o espírito eterno aí se encarnará, mas o homem não poderá criar a vida, isto é, um ser humano pensante, mesmo que tente copiá-lo de um já existente!

 A fantasia, no entanto, está solta. Um biofísico chamado Leroy Augenstein escreveu, em 1969, um livro intitulado “Come, Let Us Play God” (“Venha, Vamos Brincar de Deus”). Acha ele que o homem sempre assume o papel divino quando Deus falha. Que, aliás, já tem feito isso através dos tempos, mudando a face da Terra, desde que usou o arado até às modernas obras de engenharia. Não precisamos ser geniais para concluir que foram desastradas muitas dessas interferências; do contrário, não teríamos hoje o desequilíbrio ecológico a que estamos assistindo, nem o tremendo problema da poluição, nem a extinção de plantas e espécies animais úteis ao bom funcionamento da vida sobre a Terra, nem fome e miséria num mundo que tudo pode dar para todos. 

Brincar de Deus... Não sabemos ainda nem como brincar de homens! 

Esse é o quadro que a biologia molecular e a genética estão compondo neste exato momento em que o leitor lê estas linhas. O homem está brincando é de aprendiz de feiticeiro e se os poderes espirituais não tomassem as medidas necessárias, no tempo oportuno, a civilização moderna se suicidaria em poucos decênios. Muitas dores por certo ainda hão de vir, enquanto brilhar a inteligência divorciada da moral, mas não vem muito longe o dia em que Deus vai mostrar, mais uma vez, que o Universo que Ele criou não anda à matroca, nem precisa de correções, a não ser aquelas que forem necessárias para corrigir os desvios provocados pela vaidade humana. Há, pois, uma urgente necessidade, neste ponto da civilização: uma ética para a genética. 

Hermínio C. Miranda

Este texto originalmente publicado na  Revista Reformador Jun/1971, foi atualizado e revisado pelo autor, republicado na Revista Reformador Ago/1997 e no Jornal Mundo Espírita Jun/1998.

Posteriormente foi incluído no livro "As duas faces da vida - Textos reunidos", da Editora Lachâtre.

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