sexta-feira, 19 de março de 2021

O problema da insatisfação

O problema da insatisfação

Vianna de Carvalho



A insatisfação, que medra, assustadora, numa avalanche crescente em todos os arraiais da Sociedade terrena, procede de certo modo, da programática educacional das criaturas que, desde cedo, recebem orientação e adestramento em moldes eminentemente imediatistas, como se a vida devesse abraçar, apenas o estreito limite entre o berço e o túmulo...

Centralizando todas as aspirações no trâmite carnal, o triunfo, conforme os padrões hedonistas, tem como finalidade a aquisição de valores para o gozo, o destaque na comunidade, a tranquilidade que decorra de um estômago saciado, um sexo atendido e as vaidades estimuladas...

No entanto, mesmo quando tal ocorrência vem de ser lograda, acompanhada de emoções estésicas, eis que o sonhador da roupagem carnal se depara com outro tipo de necessidade que deflui do espírito, no seu processo de reeducação pelo impositivo reencarnacionista.

O homem não são, exclusivamente, as suas necessidades orgânicas e emocionais que se enquadram na argamassa fisiopsicológica.

O berço e o túmulo representam, no processo da evolução, meios de que se utiliza a Sabedoria Divina para que o ser indestrutível entre e saia do corpo, adquirindo experiências, fixando aprendizagem, modelando caracteres, crescendo na fraternidade e santificando o amor, que arranca das expressões do instinto de posse para a sublimação através da renúncia e do sacrifício...

Concebendo a vida como um jogo fugaz de sensações, em que o homem dotado de recursos amoedados mais é feliz porque mais consegue, coloca todas as ambições no estreito condicionamento da posse material, que amargura, quando escassa e frustra, quando farta.

De forma alguma os valores de rápida aquisição conseguem produzir no homem a verdadeira harmonia, tendo-se em vista que, impelido pelo próprio instinto de preservação da espécie, se não vigia, mais ambiciona, quanto mais detém.

A posse, no entanto, de forma alguma faculta equilíbrio emocional. Quando é abundante, produz o receio da perda, estimulando a existência dos fantasmas do medo de perder a posição e os recursos que lhe significam a vida... E, quando é exígua, favorece a escravidão ao que se "gostaria de possuir", como fuga psicológica às inquietações quase sempre injustificáveis.

O homem deve arrimar-se nos valores éticos, que ele próprio constrói a pouco e pouco em si e à sua volta, compensando-se no ideal altruísta, com que desata as emoções superiores que lhe jazem em gérmen, crescendo moralmente e superando as injunções do cárcere físico, mediante cuja ascensão consegue a lucidez que lhe dá a perfeita visão da vida e lhe dilata os horizontes em torno do que lhe convém e do que deve fazer.

Situando as metas da existência além dos prazeres transitórios e frustrantes, irmanado à fé libertadora, com que se arma de resistências para a dor, para o mal, para os distúrbios de qualquer natureza, logra superar-se e plainar além de quaisquer vicissitudes negativas, através de cujo comportamento fruirá a real felicidade.

Não cobiçando mais do que lhe é lícito reter; não se afadigando em demasia pelas aquisições transitórias; não se antecipando sofrimentos advindos do receio do futuro; não vivendo exclusivamente para o corpo, os insucessos aparentes são convertidos em lições que o amadurecem para os próximos empreendimentos, fixando o bem em si mesmo, com que se ala nos rumos do Bem Incessante após a vilegiatura orgânica, libertando-se das vestes físicas com a alegria do escafandrista que retorna à tona, concluída a tarefa feliz no seio das águas profundas...

A insatisfação que a tantos amargura, enferma e conduz a distonias de largo porte, pode e deve ser combatida através de uma pauta salutar de objetivos e de diretrizes evangélicas, conforme Allan Kardec extraiu dos conceitos morais das insuperáveis lições do Cristo, fazendo do Espiritismo o mais completo compêndio de otimismo e de sabedoria conhecido nos tempos hodiernos.

Reflexionando em torno dos valores reais, como dos aparentes, o homem de bem, inteligente, que sente necessidade de mais profundas e nobres aspirações para ser feliz, mergulha a mente e o sentimento no exercício do amor, em seu sentido mais elevado, defrontando a grandeza da vida e realizando-se por fim em paz.

Vianna de Carvalho por Divaldo Franco do livro:
Enfoques Espiritas

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