O elogio da abelha
Neio Lúcio
Grande mosca verde-azul, mostrando envaidecida as asas douradas pelo Sol, penetrou uma sala e encontrou uma abelha humilde a carregar pequena provisão de recursos para elaborar o mel.
A mosca arrogante aproximou-se e falou, vaidosa:
— Onde surges, todos fogem. Não te sentes indesejável? Teu aguilhão é terrível.
— Sim — disse a abelha com desapontamento —, creia que sofro muitíssimo quando sou obrigada a interferir. Minha defesa é, quase sempre, também a minha morte.
— Mas não podes viver com mais distinção e delicadeza? — tornou a mosca — porque ferretoar, a torto e a direito?
— Não, minha amiga — esclareceu a inter-locutora —, não é bem assim. Não sinto prazer em perturbar. Vivo tão somente para o trabalho que Deus me confiou, que representa benefício geral. E, quando alguém me impede a execução do dever, inquieto-me e sofro, perdendo, por vezes, a própria vida.
— Creio, porém, que se tivesses modos diferentes... se polisses as asas para que brilhassem à claridade solar, se te vestisses em cores iguais às minhas, talvez não precisasses alarmar a ninguém. Pessoa alguma te recearia a intromissão.
— Ah! não posso despender muito tempo em tal assunto — alegou a abelha criteriosa. — O serviço não me permite a apresentação exterior muito primorosa, em todas as ocasiões. A produção de mel indispensável ao sustento de nossa colmeia, e necessária a muita gente, não me oferece ensejo a excessivos cuidados comigo mesma.
— Repara! — disse-lhe a mosca, desdenhosa — tuas patas estão em lastimável estado...
— Encontro-me em serviço — explicou-se a operária humildemente.
Não! não! — protestou a outra — isto é monturo e relaxamento.
E limpando caprichosamente as asas, a mosca recuou e aquietou-se, qual se estivesse em observação.
Nesse instante, duas senhoras e uma criança penetraram o recinto e, notando a presença da abelha que buscava sair ao encontro de companheiras distantes, uma das matronas gritou, nervosa:
— Cuidado! Cuidado com a abelha! Fere sem piedade!...
A pequenina trabalhadora alada dirigiu-se para o campo e a mosca soberba passou a exibir-se, voando despreocupada.
— Que maravilha! — exclamou uma das senhoras.
— Parece uma joia! — disse a outra.
A mosca preguiçosa planou... planou... e, encaminhando-se para a copa, penetrou o guarda-comida, deitando varejeiras na massa dos pastéis e em pratos diversos que se preparavam para o dia seguinte. Acompanhou a criança, de maneira imperceptível, e pousou-lhe na cabeça, infeccionando certa região que se achava ligeiramente ferida.
Decorridas algumas horas, sobravam preocupações para toda a família. A encantadora mosca verde-azul deixara imundície e enfermidade por onde passara.
Quantas vezes sucede isto mesmo, em plena vida?
Há criaturas simples, operosas e leais, de trato menos agradável, à primeira vista, que, à maneira da abelha, sofrem sarcasmos e desapontamentos por bem cumprir a obrigação que lhes cabe, em favor de todos; e há muita gente de apresentação brilhante, quanto a mosca, e que, depois de seduzir-nos a atenção pela beleza da forma, nos deixa apenas as larvas da calúnia, da intriga, da maldade, da revolta e do desespero no pensamento.
Neio Lúcio por Chico Xavier do livro: Alvorada Cristã
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