quinta-feira, 15 de julho de 2021

O tormento do egoísmo

O tormento do egoísmo

Joanna de Ângelis




Desde o momento da fissão do Self  com o ego, que o eixo do equilíbrio ficou fragmentado.

O esforço de crescimento intelecto-moral do ser humano deve ser o logro da perfeita identificação desses dois arquétipos com a sua consequente fusão harmônica proporcionadora do equilíbrio emocional.

Infelizmente, porém, remanescendo os instintos agressivos em predomínio na psique humana, o ego assume a diretriz do comportamento, trazendo sempre à tona os conflitos de insegurança, de insatisfação, de morbidez, que são decorrência dos períodos ancestrais percorridos antes do surgimento das emoções superiores.

Em razão dessa governança perturbadora o ego está sempre vigilante e dominador, em luta contínua para manter-se, dominado pelo medo de perder a posição de que desfruta.

Disfarçando-se com habilidade, torna-se agressivo, porque é receoso, exibe as qualidades que não possui, exatamente para superar o complexo de inferioridade para voos mais altos no conhecimento e na emoção, atribuindo-se direitos e privilégios que teme lhe sejam retirados, pouco, no entanto, preocupando-se com os deveres que lhe dizem respeito.

É o ego que se cerca de presunção e de avareza, de ciúme e de desfaçatez, de suspeitas constantes e de censuras aos outros, de forma que não se torne conhecido, permanecendo na obscuridade dos seus propósitos enfermiços.

Pode manifestar-se gentil com certa autenticidade, ocultando, porém, interesses mesquinhos, quais os de autopromoção e de exibicionismo, reagindo sempre quando não recebendo a resposta a que aspira nas suas artimanhas. Faz-se, então, adversário soez e persistente de todos aqueles que lhe não concedem o valor que se atribui, podendo tornar-se violento e insano.

Identificado, logo se permite exteriorizar todas as mazelas que lhe são peculiares, tecendo redes de intrigas, fomentando a maledicência, pugnando pela divisão dos grupos, quando então mais fácil se lhe torna o domínio.

O egoísmo é virose perigosa que ataca a sociedade contemporânea, qual ocorreu em todas as épocas da história da humanidade.

Combatido pela ética e pela moral, tem sido motivo de cuidados especiais por todas as doutrinas religiosas, especialmente pelo Cristianismo, que nele encontra um perverso adversário da solidariedade, do amor e da lídima caridade.

O Espiritismo, na sua condição de restaurador do pensamento de Jesus, tem, no egoísmo, a condição de bafio pestilencial, que necessita de terapia preventiva muito bem elaborada e tratamento persistente depois que se encontra instalado.

Não ceder-se espaço ao egoísmo, sob qualquer forma em que se manifeste, deve ser a atitude do cristão sincero, do espírita consciente das suas responsabilidades.

Evitar agasalhá-lo em qualquer dos seus disfarces, é uma forma segura de precatar-se da sua vigorosa constrição.

Não foram poucos os missionários do bem que se permitiram tombar nas artimanhas nefastas do egoísmo, conforme hoje sucede em todos os segmentos da sociedade.

O altruísmo, que lhe é oposto, constitui-lhe estímulo vigoroso para a união do eixo psicológico fragmentado, fazendo que o bem e o mal encontrem a emoção comum do amor que lhes é a meta a conquistar.




Das nascentes do ser brotam as emoções, a princípio violentas, como resultado das experiências afligentes, tornando-se, a pouco e pouco, equilibradas e propiciadoras de felicidade.

Na razão direta em que o Espírito desabrocha a consciência e a perfeita lucidez em torno dos objetivos essenciais da sua existência na Terra, o egoísmo vai-se diluindo e cedendo lugar à solidariedade, por facultar a vivência das emoções mais elevadas, aquelas que santificam o ser no exercício da lídima caridade.

Passa a reconhecer o seu real valor de aprendiz da vida, facultando-se a solidariedade de que necessita, a fim de mais amplamente penetrar nas razões profundas do existir.

Não se jacta, nem se subestima, permanecendo identificado com a realidade que o cerca e procurando alcançar os patamares mais nobres da evolução.

A humildade surge-lhe naturalmente enquanto compreende a grandeza da vida e o seu papel de cooperador na obra magnífica da Criação.

A alegria de viver adorna-o, dando-lhe um suave encantamento em tudo quanto faz e sente, porque se reconhece membro efetivo do conjunto universal.

Enquanto se atormenta nas sensações do medo, da incerteza e das suspeitas, a prepotência alucina-o, porém, quando percebe que a sua segurança encontra-se no ser e não no poder, nos valores internos e não nas aquisições de fora, passa automaticamente para os comportamentos pacíficos e pacificadores.

Colocando-se a serviço do Bem, é dúctil à verdade e ao dever, não elegendo postos nem lugares de destaque, mas dispondo-se a trabalhar em qualquer setor em que seja colocado, aí dando mostras da felicidade de produzir.

Jesus, na carpintaria de Seu pai, aprendeu o ofício modesto e o exerceu, quando era possuidor do conhecimento universal.

Podendo expressar a Sua mensagem com o verbo profundo e complexo que decifrasse os enigmas do universo, optou pela singeleza e poesia da linguagem do povo modesto, compondo poemas insuperáveis com os grãos de mostarda, peixes e pães, semeadura e sega, redes e moedas, ovelhas e azeite, ultrapassando todos os pensadores do passado e mesmo do futuro.

Ninguém falou com a destreza e magia com que Ele narrou as maravilhas do Seu reino, estimulou os alquebrados a levantar-se e prosseguir, amparou os tíbios e os fortaleceu, recuperou os perdidos e mortos, dando-lhes significados existenciais.

Enfrentou o farisaísmo com sabedoria, mas sem presunção, embaraçou os jactanciosos não os humilhando, e pairou acima do biótipo comum pela grandeza de que era portador, não em decorrência de homenagens e honrarias mentirosas.

Recebeu com naturalidade o carinho e o destaque merecido, através das lágrimas de uma mulher recuperada do processo obsessivo e destacou que, naquele gesto, ela o embalsamava por antecipação...

A honraria foi maior para aquela que lhe beijou e ungiu com perfume os pés do que Ele próprio...

...E, no entanto, é o Rei Solar!

* * *

Recorda-te que a pérola pálida e preciosa é uma defesa do organismo da ostra à agressividade do grão de areia no seu organismo. Silenciosa e continuamente, o animálculo envolve o invasor na exsudação da sua mucosa ferida e abençoa-o com deslumbrante beleza.

A humildade realiza o mesmo, quando o egoísmo tenta espezinhá-la, submetê-la e destruí-la.

Examina as nascentes da alma e extirpa o egoísmo no seu nascedouro, trabalhando sem cansaço pela tua ascensão na obra de amor que tens pela frente, mantendo-te altruísta e solidário em tudo.

Com esse poder defluente do esforço de ser melhor, alcançarás a emoção afetuosa da alegria de autossuperação das tendências infelizes, logrando as bênçãos da verdadeira fraternidade.

Joanna de Ângelis por Divaldo Franco, 
na noite de 9 de julho de 2010, em Moscou, Rússia.


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