quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Amor sem possessão

Amor sem possessão 

J. Herculano Pires

Texto escrito em comentário ao poema: - Ponto de Vista de Cornélio Pires (Abaixo)





O desapego é uma constante nas lições dos grandes mestres espirituais. E mesmo na vida terrena as pessoas sensatas e experientes compreendem os perigos do apego amoroso. Todas as escolas de Psicologia denunciam esses perigos e, desde os gregos até nós, os filósofos ensinam que a felicidade depende da nossa capacidade de libertar-nos do apego às coisas e aos seres. O ciúme é sintoma de apego e leva a desequilíbrios perigosos, podendo gerar doenças graves e acarretar crimes nefandos.

Lemos sempre nos jornais a expressão: “Matou por amor”. Mas a verdade é que o amor não mata, pois o amor é vida e não morte. O que mata é o ciúme, o apego amoroso, gerado por sentimentos inferiores de posse exclusivista da pessoa amada. Esses sentimentos são resquícios animais da espécie que racionalmente devemos expulsar de nós, ao invés de racionalmente aumentá-los, como em geral fazemos. Nossa imaginação pode levar os instintos animais a intensidades ameaçadoras, o que jamais ocorre nas espécies animais. Temos de aprender a amar sem apego.

Quando Cornélio escreve que “o amor na totalidade é a natureza de Deus”, lembra-nos a afirmação de João, em seu Evangelho: “Deus é amor”. E Cornélio tira desse princípio a explicação do antigo mistério da presença de Deus em nós, afirmando: “O amor é Deus em nós todos, cada qual tem um pedaço”. A seguir, adverte que quanto menos possessão pusermos no amor, mais amor teremos em nosso coração. É impossível dar-se uma lição tão elevada com palavras mais simples e de maneira mais natural.

Toda a dinâmica da evolução espiritual se esclarece na simplicidade caipira desses versos. Deus está presente em nós pela nossa capacidade de amar, mas enquanto não superarmos o nosso egoísmo, que tudo quer com exclusividade, o amor permanecerá sufocado pela vaidade, o desejo e a ambição. Poderíamos perguntar: mas se o amor é o próprio Deus, por que ele não vence o nosso apego? A resposta é clara: porque amor é liberdade. O amor é Deus chamando-nos para a liberdade, convocando-nos ao desapego por nossa própria compreensão e decisão. Deus não nos ama com apego, mas com liberdade e por isso não quer impor-nos a compreensão do amor, que devemos atingir por nós mesmos.

"O texto Amor sem possessão faz parte do Livro: - Diálogo com os vivos (Série- Na Era do Espírito), nesta série J. Herculano comentou as mensagens de diversos espíritos recebidas através da mediunidade de Chico Xavier."


Ponto de vista 

(Cornélio Pires) 

Recebi o seu pedido,
Prezado amigo Antenor, 
Você deseja saber 
O que pensamos do amor. 
  
Falarei do amor terrestre, 
Não daquele que conduz 
Nossa vida e pensamento 
Para a união com Jesus.
    
É verdade que não tenho 
Direito algum que me assista; 
Por isso, exponho a você 
Meu simples ponto de vista.
    
Conforme acredito hoje, 
Nos pobres estudos meus, 
O amor na totalidade 
É a natureza de Deus. 
  
No entanto, pelo que vejo, 
Quanto ao que sinto e ao que faço, 
O amor é Deus em nós todos… 
Cada qual tem um pedaço. 
   
De tudo, porém, que amamos, 
Até quanto conhecemos, 
Quanto menos possessão 
Maior a porção que temos. 
  
O amor, quando chega, alcança 
Nossa vida rotineira, 
Parecendo o orvalho à noite, 
Quando cai na laranjeira. 
  
Mas é preciso cuidado 
Por dentro do coração. 
Toda afeição caprichosa 
Traz grande perturbação. 
  
Quando a pessoa faz isso, 
Lá se vai a luz do bem: 
Carinho vira paixão 
Que não dá paz a ninguém. 
  
Olhe a história de Quinota: 
Dizia adorar Lineu, 
Porque o moço quis a prima, 
A coitada enlouqueceu.
    
Delfim perseguindo Joana 
Que, de fato, o não queria, 
Atirou sobre o pai dela 
E acertou Dona Maria. 
  
Joaquim namorava Zélia; 
A paixão nele era fogo… 
Quando viu Zélia doente, 
Colou-se à Tina Diogo.
  
Antônia clamava sempre 
Que amava Zeca Vilaça, 
Mas Zeca perdeu as pernas 
E Antônia sumiu da praça. 
  
Recorde o que sucedeu 
Com Camilo Felisberto, 
Desprezado por Joaquina, 
Matou-se com tiro certo. 
  
O amor, na Terra, em verdade, 
Pode ter grande aconchego, 
Mas para viver em paz 
Não deve ter muito apego. 
  
O amor, enfim, vem de Deus, 
Mas se em nós vira paixão, 
Parece cousa de louco 
Ou trama de obsessão.  

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