Invocações Diretas
Humberto de Campos
Nos primeiros movimentos de intercâmbio com a esfera invisível, Casimiro Colaço experimentara sensações de indefinível inquietude. Aquelas comunicações com o Além assombravam-no. Povoavam-lhe a alma profundas indagações. Aquele novo mundo que se lhe descortinava aos olhos, trazia maravilhosas incógnitas para cuja solução daria, de bom grado, todas as possibilidades terrestres. Casimiro não se contentava com as reuniões de experimentação mediúnica, num esforço metódico e gradativo. Embora o arraigado amor à família, vivia mentalmente muito distante dos deveres inadiáveis e justas. Viciado pela curiosidade doentia, esperava a noite com singular ansiedade. Ao regressar do estabelecimento bancário, após a luta do ganha pão, trancava-se a sós no quarto, dilatando observações por catalogar conhecimentos novos, no vasto círculo de entidades espiritual.
Longe de aceitar com proveito as manifestações espontâneas, preferia impor os próprios caprichos, perdendo-se em longas evocações diretas e ignorando sistematicamente se possuía credenciais ou merecimento para isso.
Entre as entidades que costumava invocar impertinentemente, contava-se um velho tio – o ex-sacerdote Leão Colaço, que partira do mundo, anos antes. Padre inteligente e devotado ao bem coletivo, Leão convertera-se em ídolo dos parentes. Por isso mesmo o sobrinho, ao menor obstáculo utilizava a concentração, pedindo-lhe esclarecimentos. O ex-sacerdote era obrigado a abandonar trabalhos sérios, no plano de ação onde se localizava quase sempre, para solucionar espantosas futilidades. Decorrido algum tempo em que Leão se destacou pela paciência e o sobrinho pela leviandade, reconheceu o nobre emissário que a situação requeria outros rumos. Muito delicado, falou confidencialmente em mensagem carinhosa:
– Meu filho, nas relações com o Invisível, não queiras impor a vontade caprichosa, quando não identificas, ao certo, as próprias necessidades. Faze a prece, observa, medita e espera com paciência. A oração e o esforço mental, por si sós, valem imensamente, ainda mesmo que não recebas conselhos diretos dos amigos. Por que invocar violentamente os desencarnados, se não desconheces que também eles assumiram certas responsabilidades
de serviço ante os desígnios de Deus? Por que insistir nominalmente no comparecimento de quem sofre ou de quem trabalha? Submetes o primeiro à dor da vergonha e ao segundo impões o pernicioso esquecimento do dever. Não recordas a lição de Jesus na prece dominical? O Mestre ensinou ao homem rogasse a Deus o cumprimento da Vontade Divina, assim na Terra como no Céu. Trabalha, meu filho, e sê atento às obrigações próprias.
Se não é justo pedir o aluno aos instrutores a necessária solução de problemas condizentes ao aprendizado em curso, também não é razoável abandone a criatura a possibilidade de novas luzes, recorrendo, nas ocorrências mais fúteis, à bondade daqueles que a seguem de mais alto. Organiza reuniões, continua observando os planos invisíveis, mas não olvides a espontaneidade. Se o irmão infeliz bate à tua porta, consola-o; se recebes a visita generosa de respeitável instrutor, pondera-lhe os conselhos e guarda-lhe a sabedoria.
Aprende a interpretar os desígnios de Deus, no local de serviço ou testemunho onde te encontres, nas horas mais diversas. O trabalho divino sempre requisitou devotamento, mas dispensa a provocação, por desnecessária e inconveniente.
Casimiro leu e releu a mensagem e, contudo, continuou agindo com a mesma leviandade que o caracterizava antes dela. A qualquer frioleira, repetia o antigo estribilho:
– Chamemos o tio Leão Colaço e teremos a solução precisa.
Submergia-se a prestimosa entidade em verdadeiro mar de preocupações, atenta à confusão que se desdobrava, quando certo amigo lhe observou:
– Não te entregues a exagerada inquietação. Se o sobrinho vem buscar-te tantas vezes por semana, compelindo-te à dilação de serviços tão graves, por que não o invocas igualmente?
Se é verdade que os companheiros do mundo podem chamar-nos, não desconhecemos a possibilidade de lhes retribuir no mesmo grau. Experimentando a inconveniência das invocações diretas, o Casimiro renovará as concepções sobre o assunto. E creio que uma
vez será o bastante.
O ex-sacerdote aceitou o alvitre, evidenciando indisfarçável contentamento. Escolheu, por isso, a noite mais oportuna e, reunindo alguns companheiros, invocou o sobrinho de modo a lhe proporcionar excelente lição.
Enquanto se lhe enrijecia o organismo no leito, alarmando a família, Casimiro Colaço compareceu em Espírito ante a reduzida assembleia que o atraía intencionalmente.
Revelava-se indisposto e perturbado, o mísero sentindo-se presa de inenarrável angústia.
Em frente dos amigos espirituais, rojou-se de joelhos e exclamou em pranto amargo:
– Benfeitores amados, por quem sois, não me deixeis voltar por enquanto ao vosso plano, quando tenho filhinhos a esperar por mim!...
Após doloroso gemido, prosseguiu num véu de lágrimas :
– Ah!... quem me chamou aqui com tamanha insistência? Deixai-me regressar à Terra, por amor de Deus!
Aproximou-se então o bondoso tio e esclareceu :
– Sou eu quem te chama, Casimiro.
– Oh! sois vós, meu tio? Por quê? desconheceis, porventura, a bagagem dos meus deveres?
Tendes seguido carinhosamente meus passos e compreendeis, certamente, que me não posso furtar ao cumprimento de obrigações intransferíveis. Não me retenhais aqui por mais tempo!...
Depois de soluços convulsivos, rematava diante do ex-sacerdote que sorria, bondoso:
– Afinal, por que me buscastes assim nesta violência terrível?
Colocou-lhe a entidade a mão paterna no ombro, evidenciando amorosa solicitude e respondeu :
– Chamei-te por amor e porque não devia desprezar o ensejo de entregar-te novos valores educativos.
Aprende a considerar as situações alheias, meu filho! Também nós, aqui, temos deveres e trabalhos, responsabilidades e compromissos. Não somos figuras aéreas, catalogadas entre
seres ociosos ou vagabundos. Já que percebeste o quanto dói a perturbação infligida ao homem no trabalho honesto e intransferível, não procures desorientar serviços de nossa esfera de ação, onde colaboramos na estruturarão espiritual de um mundo melhor.
Tanto se pode invocar a entidade celeste, quanto atrair a criatura terrestre, na mesma lei que rege o constante intercâmbio das almas. Não olvides, pois, estas preciosas verdades!
E, mergulhando o olhar penetrante no sobrinho angustiado, concluía:
– Voltarás, imediatamente, ao serviço que Deus te confia no mundo; entretanto, faze tudo por não esquecer a valiosa lição desta noite.
Em casa de Casimiro, todavia, observava-se o vaivém dos familiares alarmados.
Durante quatro horas, permanecia o pobre rapaz no leito, pálido, ofegante, semimorto.
Multiplicavam-se cataplasmas e injeções, sob o olhar atento do médico que o assistia.
Quando o suposto enfermo revelou os primeiros sinais de melhora, o facultativo chamou em particular o velho genitor de Casimiro e esclareceu, demonstrando justificada alegria:
– Felizmente o problema está resolvido.
– E que pensa o senhor? – interrogou o ancião aflito.
– Trata-se de caso para observar – retrucou o interpelado, confidencialmente –, aplicarei tratamento decisivo, pois a meu ver a moléstia tem todos os característicos de fenômeno epileptoide.
Mas Casimiro Colaço, daí a dois dias, estava refeito para o trabalho comum. E embora não recordasse o ensinamento senão na tela mágica de sonho mal definido, jamais se atreveu a repetir invocações diretas e nominais, renunciando à imposição da vontade caprichosa em relação ao plano invisível.
Humberto de Campos por Chico Xavier do livro:
Reportagens de Além Túmulo
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