terça-feira, 31 de março de 2015

Sábia consciência

Sábia consciência 

Mário Sérgio Cortella


É necessário fazer outras perguntas, ir atrás das indagações que produzem o novo saber, evitando a empáfia daqueles e daquelas que supõem já estar de posse do conhecimento e da certeza. (Mário Sérgio Cortella, filósofo, professor da PUC-SP, artigo publicado pela Folha de São Paulo)
Há uma procura muito intensa hoje em dia pelo atingimento de um lugar aparentemente desconhecido: a morada da sabedoria. 

O fastio provocado por um modo liberticida e materialista de existir, somado ao cansaço resultante da oferta incessante de inúmeras e ineficazes fórmulas prontas para o sucesso, leva à aspiração por algo misterioso e extremamente desejado. O sintoma mais evidente dessa ânsia está na profusão de medicinas, religiões, literaturas e rituais que anunciam um ponto de chegada que acalmará os espíritos e cessará a turbulência de mentes atormentadas pela busca de um sentido para a própria existência.

Parodiando o título da estupenda obra do escritor francês Marcel Proust, parece que agora é preciso irmos céleres "em busca do tempo perdido". No entanto, o mesmo romancista, em "À Sombra das Raparigas em Flor", ensina-nos que "a sabedoria não se transmite, é preciso que a gente mesmo a descubra depois de uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar e que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma maneira de ver as coisas".

Sabedoria, uma maneira de ver as coisas! Claude Lévi-Strauss, antropólogo conterrâneo de Proust e, sem dúvida, o mais importante estudioso contemporâneo das culturas, escreveu no "O Cru e o Cozido" que "o sábio não é o homem que fornece as verdadeiras respostas; é o que formula as verdadeiras perguntas".

É necessário fazer outras perguntas, ir atrás das indagações que produzem o novo saber, observar com outros olhares através da história pessoal e coletiva, evitando a empáfia daqueles e daquelas que supõem já estar de posse do conhecimento e da certeza. Tempos de arrogância estes nossos! Muitos cientistas se arvoram em detentores da exclusiva posse da verdade, vários governantes assumem posturas petulantes ao recusarem a existência de concepções divergentes, inúmeros especialistas insistem na rejeição aos fatos em nome das teorias, variados líderes religiosos impedem o afloramento da quebra da alienação. Está rareando, entre os altamente escolarizados e economicamente beneficiados, a imprescindível modéstia sincera, aquela que nos permite enxergar limites nos nossos saberes e poderes. 

Por isso é imprescindível revisitar um monge beneditino que, há aproximadamente 1.300 anos, viveu na Inglaterra: Beda, que, além de ter sido santificado pela igreja do período, era chamado também de o Venerável. Tamanha foi a erudição e a honestidade narrativa que sustentou ao escrever uma trajetória de seu país - desde a ocupação romana até aqueles dias - que sua obra tornou-se referência para os estudos históricos medievais.

Um homem como ele, pleno de conhecimentos e admirado pela imensa capacidade intelectual, conseguiu não ser vítima da presunção que acomete a muitos e muitas nessa condição ou, até, longe dela; Beda nos legou (com validade indeterminada!) uma prescrição em forma de advertência, na qual diz que há três caminhos para a infelicidade (ou fracasso):

1) Não ensinar o que se sabe; 

2) Não praticar o que se ensina; 

3) Não perguntar o que se ignora.

Uma tríade assim arremessa a ideia de sucesso para muito além do que muitos acreditam nos nossos modernos tempos; poderíamos dizer - retomando pelo positivo as três advertências de Beda - que o sucesso está na generosidade mental (ensinar o que sabe), na honestidade moral (praticar o que ensina) e na humildade inteligente (perguntar o que ignora). Nesse sentido, o ensinamento do monge está impregnado do que entendemos ser a sabedoria ou, mais ainda, a sapiência.

Mas, como bradava o sólido lema francês do ensaísta Montaigne - no século em que o Brasil era fundado -, 
"que sais-je?" (que sei eu?)... 

Mário Sérgio Cortella

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Mário Sérgio Cortella, filósofo, professor da PUC-SP, autor de "A Escola e o Conhecimento: Fundamentos Epistemológicos e Políticos" (ed. Cortez/IPF), artigo publicado em 25 de julho de 2002 na Folha de São paulo, caderno "Equilíbrio".

Beda, (em inglês antigo: Bǣda ou Bēda; em latim: Beda; ac. 673—26 de maio de 735), conhecido também como Venerável Beda (em latim: Bēda Venerābilis), foi um monge inglês que viveu nos mosteiros de São Pedro, em Monkwearmouth, e São Paulo, na moderna Jarrow, no nordeste da Inglaterra, uma região que, na época, era parte do Reino da Nortúmbria. Ele é conhecido principalmente por sua obra-prima, a "Historia ecclesiastica gentis Anglorum" ("História Eclesiástica do Povo Inglês"), um trabalho que lhe rendeu o título de "Pai da História Inglesa". - Wikipedia




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