quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Nos domínios da sombra

Nos domínios da sombra

Irmão X.



Em compacta assembleia do reino das sombras, um poderoso soberano das trevas, diante de milhares de falangistas da miséria e da ignorância, explicava o motivo da grande reunião.

O Espiritismo com Jesus, aclarando a mente humana, prejudicava os planos infernais.

Em toda parte da Terra, as criaturas começavam a raciocinar menos superficialmente!

Indagavam, com segurança, quanto aos enigmas do sofrimento e da morte e aprendiam, sem maior dificuldade, as lições da Justiça Divina. Compreendiam, sem cadeias dogmáticas, os ensinamentos do Evangelho. Oravam com fervor. Meditavam na reencarnação e passavam a interpretar com mais inteligência os deveres que lhes cabiam no Planeta.

Muita gente entregava-se aos livros nobres, à caridade e à compaixão, iluminando a paisagem social do mundo e, por isso, todas as atividades da sombra surgiam ameaçadas...

Que fazer para conjurar o perigo?

E pediu para que os seus assessores apresentassem sugestões.

Depois de alguns momentos de expectativa, ergueu-se o comandante das legiões da incredulidade e falou:

- Procuremos veicular a crença de que Deus não existe e de que as criaturas viventes estão entregues a forças cruéis e fatais da Natureza...

O maioral das trevas, porém, objetou, desencantado:

- O argumento não serve. Quanto mais avançamos nos trilhos da inteligência mais reconhece o homem a Paternidade de Deus, sendo atraído inelutavelmente para a fé ardente e pura.

Levantou-se, no entanto, o orientador das legiões da vaidade e opinou:

- Espalharemos a notícia de que Jesus nada tem que ver com o Espiritismo, que as manifestações dos desencarnados se resumem num caso fisiológico para as conclusões da Ciência, e, desnorteando os profitentes da Renovadora Doutrina, faremos com que gozem a vida no mundo, como melhor lhes pareça, sem qualquer obrigação para com o Evangelho e, assim, serão colhidos no túmulo, com as mesmas lacunas morais que trouxeram do berço.

O rei das sombras anuiu, complacente:

- Sim, essa ilusão já foi muito importante, contudo, há milhares de pessoas despertando para a verdade, na certeza de que as portas do sepulcro não se abririam para os vivos da Terra, sem a intervenção de Jesus.

Nesse ponto, o diretor das falanges da discórdia pôs-se de pé e conclamou:

- Sabemos que a força dos espíritas nasce das reuniões em que se congregam para a oração e para o aprendizado da Vida Espiritual, e nas quais tomam contato com os Mensageiros da Luz... Assim sendo, assopraremos a cizânia entre os seguidores dessa bandeira transformadora, exagerando-lhes a noção da dignidade própria. Separá-los-emos uns dos outros com o invisível bastão da maledicência. Chamaremos em nosso auxílio os polemistas, os discutidores, os carregadores de lixo social, os fiscais do próximo e os examinadores de consciências alheias para que os seus templos se povoem de feridas e mágoas incuráveis e, assim, os irmãos em Cristo saberão detestar-se uns aos outros, com sorrisos nos lábios, inutilizando-se para as obras do bem.

O chefe satânico, todavia, considerou:

- Isso é medida louvável, contudo necessitamos de providência de efeito mais profundo, porque sempre aparece um dia em que as brigas e os desacordos terminam com os remédios da humildade e com o socorro da oração.

A essa altura, ergueu-se o condutor das falanges da desordem e ponderou:

- Se o problema é de reuniões, conseguiremos liquidá-lo em três tempos. Buscaremos sugerir aos membros dessas instituições que o lugar dos conclaves é muito longe e que não lhes convém afrontar as surpresas desagradáveis da via pública. Faremos que o horário das reuniões coincida com o lançamento de filmes especiais ou com festividades domésticas de data fixa. Improvisaremos tentações determinadas para os companheiros que possuam maiores deveres e responsabilidades junto às assembleias, a fim de que os iniciantes não venham a perseverar no trabalho da própria elevação. Organizaremos dificuldades para as conduções e atrairemos visitas afetuosas que cheguem no momento exato da saída para os cultos espiritas-cristãos. Tumultuaremos o ambiente nos lares, escondendo chapéus e bolsas, carteiras e chaves para que os crentes se tomem de mau humor, desistindo do serviço espiritual e desacreditando a própria fé.

O soberano das trevas mostrou larga satisfação no semblante e ajuntou:

- Sim, isso é precioso trabalho de rotina que não podemos menosprezar. Entretanto, carecemos de recurso diferente...

O responsável pelas falanges da dúvida ergueu-se e disse:

- As reuniões referidas são sempre mais valiosas com o auxílio de médiuns competentes. Buscaremos desalentá-los e dispersá-los, penetrando a onda mental em que se comunicam com os Benfeitores Celestes, fazendo-lhes crer que a palavra do Além resulta de um engano deles próprios, obrigando-os a se sentirem mentirosos, palhaços, embusteiros e mistificadores, sem qualquer confiança em si mesmos, para que as assembleias se vejam incapazes e desmoralizadas...

O mentor do recinto aprovou a alegação, mas considerou:

- Indiscutivelmente, o combate aos médiuns não pode esmorecer, entretanto, precisamos de providência mais viva, mais penetrante...

Foi então que o orientador das falanges da preguiça se levantou, tomou a palavra, e falou respeitoso:

- Ilustre chefe, creio que a melhor medida será recordar ao pensamento de todos os membros das agremiações espíritas que Deus existe, que Jesus é o Guia da Humanidade, que a alma é imortal, que a Justiça Divina é indefectível, que a reencarnação é uma verdade inconteste e que a oração é uma escada solar, reunindo a Terra ao Céu...

O soberano das sombras, porém, entre o espanto e a ira, cortou-lhe a palavra, exclamando:

- Onde pretende chegar com semelhantes afirmações?

O comandante dos exércitos preguiçosos acrescentou, sem perturbar-se:

- Sim, diremos que o Espiritismo com Jesus, pedindo às almas encarnadas para que se regenerem, buscando o conhecimento superior e servindo à caridade, é, de fato, o roteiro da luz, mas que há tempo bastante para a redenção, que ninguém precisa incomodar-se, que as realizações edificantes não efetuadas numa existência podem ser atendidas em outras, que tudo deve permanecer agora como está no íntimo de cada criatura na carne para vermos como ficarão depois da morte, que a liberalidade do Senhor é incomensurável e que todos os serviços e reformas da consciência, marcados para hoje, podem ser transferidos para amanhã... Desse modo, tanto vale viverem no Espiritismo como fora dele, com fé ou sem fé, porque o salário de inutilidade será sempre o mesmo...

O rei das sombras sorriu, feliz, e concordou:

- Oh! até que enfim descobrimos a solução!...

De todos os lados ouviam-se risonhas exclamações: 

- Bravos! Muito bem! Muito bem!

O argumento do astucioso condutor das falanges da inércia havia vencido.

Irmão X. por Chico Xavier do livro:
Contos e apólogos

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