sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Espiritismo e ecologia

Espiritismo e ecologia

Hermínio C. Miranda



Foi em “Caráter da Revelação Espírita”, documento colocado como primeiro capítulo de A gênese, que Allan Kardec lançou com vigorosa convicção um desafio ao futuro, ao declarar que o Espiritismo jamais seria ultrapassado porque admitia até corrigir-se, se e quando descobertas científicas demonstrassem "estar em erro acerca de um ponto qualquer".

O que parecia uma temeridade há um século e pouco, confirmou-se como uma declaração de inabalável confiança no futuro da Doutrina, que dava então seus primeiros passos. Já no seu segundo século de história, o Espiritismo não tem em que se modificar, mesmo porque não montou suas estruturas básicas sobre um terreno de hipóteses e suposições, mas sobre a rocha firme dos fatos observados.

Ao contrário de recuos ou correções, estamos assistindo a uma consolidação e confirmação dos postulados doutrinários. O conceito da reencarnação, por exemplo, que, de início, o próprio Kardec confessa haver rejeitado, é hoje uma realidade, documentada por inúmeras experiências confiáveis e começa até a ser utilizado como instrumento terapêutico por psicólogos e psiquiatras de vanguarda. E mais; demonstrada a realidade da reencarnação, fica, obviamente, demonstrada a da sobrevivência do espírito, além da sua existência, é claro. Como iria ele reencarnar-se a não ser que houvesse sobrevivido à suas existências anteriores?

O aspecto da sobrevivência, por sua vez, começa a emergir com espontaneidade e nitidez das recentes observações científicas acerca da morte aparente, como se tem visto dos depoimentos dos drs. Moody, Ritchie, Kubler Ross, Sabon e outros.

Quanto ao intercâmbio entre 'vivos' e mortos' já se esgotou o estoque de objeções em que foi tão fértil a imaginação dos obstinados negadores de sempre. É que um dia eles também morrem, como todos nós, e vão lamentar do 'outro lado', o tempo perdido e a perdida guerra contra a Verdade. Quando regressarem à carne, em nova existência, talvez venham menos negativos e mais inclinados a admitir que, afinal de contas, também eles são espíritos imortais.

Essas reflexões costumam ocorrer-me – e as reexamino sempre com alegria – quando vejo colocados na agenda da ciência moderna temas como o da reencarnação e inúmeros outros na área da Parapsicologia. Ou quando tomo conhecimento do amplo e dispendioso esforço que hoje se promove com ajuda da mais sofisticada tecnologia para comprovar a realidade de outras civilizações espalhadas pelo universo. Não faltou quem achasse que esta seria mais uma ridícula fantasia do Espiritismo, quando, há mais de um século, afirmou que a Terra não era o único planeta habitado nos amplos espaços cósmicos e mais, que nem era dos mais adiantados em conhecimento moral.

Algo semelhante está acontecendo com o conceito de perispírito. Formulação doutrinária tida à época como duvidosa – embora não fosse precisamente uma novidade pois dele já falava Paulo e antes de Paulo, os egípcios, que distinguiam o 'ba' do 'ka' – o perispírito teve seus críticos impiedosos entre alguns cientistas e pensadores mais apressados. Já agora, a ideia começa a aprofundar raízes no pensamento científico. Lyall Watson, em Supernature (Ed. Coronet, Londres, 1974), admite o que chama de life field, ou seja, um campo vital, que, em outras palavras, é o modelo organizador biológico proposto por cientistas brasileiros.

– Isto quer dizer – escreve Watson – que o campo vital possui capacidade organizadora, ou seja, uma espécie de molde que projeta a forma e a função de cada organismo em gestação.

Sintomaticamente cita ele, nessa passagem, o trabalho de Russell (Design for Destiny), que entende esse 'campo' como 'um mecanismo integrador que não apenas projeta o organismo, mas sobrevive, na condição de alma, quando este morre'. Russell por sua vez, reflete e confirma o respeitável testemunho de Harold S. Burr, exposto em Blueprint for Immotality (Ed. Spearman, Londres) ao narrar suas conclusivas experiências.

Mas há outros temas modernos sobre os quais encontramos sumárias formulações no contexto da Doutrina ou no seu bojo são encaixados para uma visão mais abrangente do que significam para a comunidade humana.

Tome-se, para exemplo, o tema atualíssimo da ecologia. Aparentemente, nada teria o espiritismo a ver com o problema, que não está especificamente referido na codificação, a não ser em referências indiretas, como na questão 733, na qual os espíritos ensinam que 'o horror à destruição cresce com o desenvolvimento intelectual e moral'. Ou em passagens, nas quais é discutida a lei da conservação.

No entanto, a doutrina tem sempre uma visão dualística da vida, pois o ser humano é um espírito vivendo transitoriamente na matéria. Na realidade, o movimento ecológico mundial nos convida à meditação, pelas suas implicações doutrinárias e pela contribuição que o espiritismo poderá trazer à melhor iluminação do tema.

O que propõem os ecologistas é a preservação do meio ambiente, para que se mantenham adequadas condições de vida na Terra. O que se pretende, portanto, e em última análise, é a preservação das oportunidades de reencarnação de que a vida precisa para cumprir a sua tarefa evolucionista.

Uma civilização que agrida suas próprias condições de continuidade ou, no mínimo, as põe em perigo, cria um mecanismo suicida. Temos vivido nas últimas décadas um clima de 'que-me-importismo' ecológico. Assumimos uma atitude de 'après moi le déluge', ou o fatalismo de um day after.

Nada disso é construtivo.

Desencadeia-se um acelerado processo de demolição sistemática de todo o dispositivo material de apoio à vida do espírito na terra. Na minha infância há apenas meio século – um mero segundo em termos geológicos – multidões de pássaros coloriam e musicalizavam os campos e até a vizinhança das cidades. Do quintal de minha casa em Volta Redonda, à beira da Central do Brasil, onde nasci e me criei até que se iniciasse a segunda década de vida, podia ver bandos travessos de bugios (pequenos macacos), na maior algazarra, pulando de galho em galho. A água dos riachos e até de rios mais volumosos era limpa e potável, deixando ver os cardumes de peixes a navegarem tranquilamente daqui para ali em busca de alimento. Não pairavam nuvens densas de poluição nos céus das cidades. Como a água era pura e os pássaros controlavam o crescimento desordenado dos insetos e pragas da lavoura, o legume, a verdura e a fruta chegavam incontaminados à mesa.

Era um mundo quase idílico comparado ao de hoje e ficou há apenas 50 anos no tempo, ali mesmo...

É bom, pois, que a consciência universal esteja sendo alertada para esses aspectos pelos jovens, que têm sido a voz e a ação contra a degradação das condições de vida no planeta. Afinal de contas, são eles os espíritos que nos deixaram um mundo razoavelmente saudável e tranquilo há um século ou dois para reencontrarem-no agora inquieto, agitado, temeroso, depredado e doente. Que fizeram com este mundo as gerações intermediárias? Que está fazendo a atual?

Embora poucos sejam os que trazem a convicção consciente do mecanismo das vidas sucessivas, são muitos os que têm a intuição viva do processo e sabem que a civilização continuará a necessitar de ambiente adequado para desenvolver as suas tarefas evolutivas ao longo do tempo.

A literatura espírita é rica em ensinamentos específicos sobre a inexorabilidade das leis divinas de ação e reação. O poderoso fazendeiro que mandou construir a senzala como precário depósito de gente e continuou vivendo no conforto da casa grande deverá voltar amanhã para viver, não na senzala, que, graças a Deus, não mais existe, mas na favela sofrida e precária, como escravo de condições rígidas que não tem como superar ou fugir.

O rei francês que pouco se importava caso após o seu reinado viesse o dilúvio não teria de morrer afogado, é claro, numa vida futura, mas ficou na programação das suas vidas, voltar sob condições de caos financeiro, social, político, com dificuldades enfim, semelhantes às que impôs aos outros para que pudesse dispor livremente de suas fartas mordomias.

A Terra é a habitação de que necessitamos, de tempo em tempo, para viver durante algumas décadas, a fim de que se cumpram as tarefas exigidas pelo processo educativo da evolução individual e coletiva. É aqui que cometemos os nossos equívocos; é aqui, portanto, que temos de retificá-los e demonstrar que já aprendemos a lição e estamos aprovados no vestibular cósmico. Mesmo que não precisássemos voltar, contudo, não estaríamos autorizados a demolir a casa que nos tem servido e que certamente há de servir a incontáveis gerações. Se vamos ainda precisar dela – e isto é certo – , cuidemos de não deixá-la reduzida à condição de tapera infecta e inabitável, porque será assim ou em pior estado que a encontraremos quando de nosso retorno à carne, em nova existência futura.

Como dizíamos de início, a doutrina espírita não fala especificamente em Ecologia, mas tem importantes reflexos a oferecer para melhor entendimento do problema que começa a afligir a consciência universal.

Sem falar, é claro, pelo espiritismo em geral, têm os jovens que lutam pela recuperação do meio ambiente, o meu aplauso e o meu estímulo, por mínimo que isso possa significar. Também estou entre os que ainda precisarão do nosso modesto planeta para futuras romagens na carne. Um dia estará aqui implantado o Reino de Deus anunciado pelo Cristo. Não nos esqueçamos, porém, de que será a mera projeção do que se construir na intimidade de cada um de nós. O Reino – disse ele – não está aqui nem ali, no tempo e no espaço; ele já existe dentro de nós. Só nos cabe realizá-lo.

O que nos falta? O que estamos esperando?

Hermíno C. Miranda
Jornal Correio Fraterno - edição nº 164 de agosto de 1984.

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