O Sudário de Turim I e II
Hermínio C. Miranda
O Sudário de Turim I
Revista Reformador de Mar. 1979
Fotografia é a ciência e a
técnica de reproduzir imagens pela ação da luz em uma superfície previamente
sensibilizada por substâncias apropriadas. Qualquer bom dicionário dirá que a
palavra se compõe de dois termos gregos, photos (luz) e graphein (escrever), o
que produz esta linda expressão: Escrever com luz! Nenhuma outra seria tão
adequada para caracterizar o fenômeno da imagem reproduzida no tecido do
chamado Sudário de Turim.
Embora de longa data - na
realidade desde o tempo dos alquimistas - se conhecesse a ação da luz sobre
certos compostos químicos, foi somente em 1822 que J. Nicephore Niepce
conseguiu fixar a primeira fotografia no papel. Alguns anos depois, ele e
Daguerre levaram a técnica fotográfica a ponto de merecer uma apresentação
oficial de François Arago à Academia de Ciências, em 19 de agosto de 1839. No
final do século a fotografia atingira seus primeiros estágios de maturidade.
Contudo, foi relutantemente que o
Rei Umberto I, da Itália, proprietário oficial da peça, na qualidade de chefe
da família de Saboia, autorizou que o Sudário fosse fotografado pela primeira
vez, em 1898, durante uma das raras exposições ao público, em comemoração ao cinquentenário
da constituição Italiana, "II Statuto", Havia uma condição: o trabalho
não deveria ser feito por profissional. Foi escolhido para a honrosa missão o
Conselheiro e advogado Secando Pia, fotógrafo amador já premiado em várias
oportunidades.
Em 25 de maio, primeiro dia da
exposição, ele se preparou para o importante acontecimento, mas não foi feliz:
o vidro protetor de suas lâmpadas estalou e as inutilizou. Ele voltou na noite
de 28, depois que o último visitante havia partido. Desta vez o Sudário se
encontrava protegido por uma moldura envidraçada. Pia montou o seu equipamento,
cuja peça principal era uma "geringonça" parecida com uma ampla caixa
de madeira - que ainda existe como peça de museu - provida de uma lente
Voigtlander. Às 23 horas Pia "bateu" a primeira foto com um tempo de
13 minutos e logo a seguir, outra com 20 minutos de exposição.
Era quase meia-noite quando ele
se fechou no cômodo destinado a servir de câmara escura. Pouco a pouco a imagem
começou a aparecer no vidro e, em breves, momentos, a surpresa de Pia chegou ao
assombro. Em lugar da figura fantasmagórica que ele esperava, como em qualquer
negativo fotográfico, surgia na Chapa o retrato em positivo de um homem. O
desenho do corpo destacava-se claramente do fundo, como que em relevo, enquanto
as manchas de sangue apareciam, não menos misteriosamente, em negativo, como
marcas claras em campo escuro. Secondo Pia estava literalmente aturdido e não
podia deixar de pensar que era ele o primeiro ser humano em quase 19 séculos a
contemplar a face de Jesus.
- Foi, naturalmente, essa foto -
escreve Ian Wilson- (em: The Shround of Turin, edição Doubleday, 1978, New York)
- que introduziu o Sudário no século XX por um processo que ninguém até então
poderia ter imaginado.
Secondo Pia acabava de copiar com
o seu equipamento o autorretrato que o Cristo escrevera com a (sua) luz...
As fotos de Secondo Pia são
atualmente consideradas de qualidade inferior, em confronto com as que se obtêm
com a moderna tecnologia. Já em 1931 foram superadas pelas excelentes fotos
obtidas por um profissional de alto conceito, o Comandante Giuseppe Enrie, que
trabalhou com uma equipe de cerca de cem especialistas. Inclusive Secando Pia.
Já septuagenário.
É sobre as múltiplas especulações
em torno do Sudário de Turim que vamos tratar neste artigo. Valho-me, para
isso, não apenas do livro de Wilson, como também da admirável obra do Dr.
Pierre Barbet (1), médico francês, bem como do livro-reportagem de Robert K.
Wilcox (2). Não disponho, infelizmente, do relatório de Pia, intitulado
"Memoria sulla riproduzione fotográfica della Santissima Sindone"
(1907).
- - A Paixão de N.S. Jesus Cristo segundo o Cirurgião, do Dr. Pierre Barbet. Tradução (excelente) do Cônego José Alberto de Castro Pinto, Editora Santa Maria, RJ, 1954.
- - Shroud, de Robert K. Wilcox, Edição Macmillan, 1977 e Bantam, 1978, EUA.
***
Começaremos pelo princípio.
Sudário, do latim sudarium, é um
lenço que, como o nome indica, destina-se a enxugar o suor do rosto. É o que se
lê no “Novíssimo Dicionário Latino-Português", de Santos Saraiva, edição
Garnier. 1924. Secundariamente seria também mortalha. Esta leve diferença de matiz
semântica reveste-se de importância maior do que se poderia supor, como veremos
adiante. O Dr. Barbet informa que teve esse nome "uma comprida peça de
pano com que se envolvia o corpo por debaixo da túnica e que se conservava como
roupa noturna". Era, pois, uma peça de roupa intima que também servia para
dormir.
O Sudário de Turim, no qual aparece
estampada a imagem de uma figura humana de costas e de frente, mede 1,10m de
largura por 4,30m de comprimento. “É uma tela de linho puro, cerrada e opaca -
escreve Barbet - executada com fio grosseiro e de fibra crua”, com a urdidura
conhecida como "espinha de peixe". Os vincos indicam que a peça foi
arrumada em quarenta e oito dobras.
Quanto à figura ali estampada,
trata-se de um homem relativamente jovem - não menos de 30 anos de idade, não
mais de 45 - de 1,81 m de altura, pesando cerca de 77 quilos, dono de "poderoso
e bem proporcionado físico", na expressão de Wilson. O médico inglês Dr.
David Willis, um dos competentes estudiosos do Sudário, relaciona os seguintes ferimentos
na face impressa no pano:
1) inchação em ambos os supercílios;
2) dilaceração da pálpebra direita;
3) grande inchação abaixo do olho direito;
4) tumefação no nariz;
5) ferimento de forma triangular na face direita;
6) inchação na face esquerda;
7) inchação à esquerda do queixo.
Barbet chamou a atenção para a
"surpreendente expressão de relevo" da imagem que, realmente, parece
tridimensional. (Ainda falaremos disso mais tarde.) Mais impressionante, porem,
é a imperturbável serenidade daquele rosto que, a despeito do verdadeiro
massacre que os hematomas testemunham, não guardou um traço de dor, medo ou
aflição. Aquele homem morreu em paz...
As manchas de sangue, mais
pronunciadas em torno das principais chagas e ferimentos mais profundos,
aparecem em negativo, ou seja, figuram como áreas mais claras sobre o fundo
escuro da Imagem fotográfica antes de ser copiada no papel. Barbet ficou
impressionado com a aparência de relevo dessas manchas, demonstrando, a seu
ver, terem sido produzidas por decalque pelos coágulos sanguíneos em contato
direto com o tecido.
- Sobre a Mortalha - escreve ele
- não há sangue que tenha escorrido; só há coágulos decalcados.
O homem do Sudário morreu, segundo
o médico francês, por asfixia, pregado numa cruz, à qual foi suspenso por três
cravos, um em cada carpo (na altura dos pulsos) e o terceiro atravessando os
dois pés superpostos, o esquerdo sobre o direito.
Ian Wilson confrontou da seguinte
forma as pesquisas cientificas sobre o Sudário com o que narram os
evangelistas:
1. O corpo está literalmente coberto de ferimentos causados por severo açoitamento, conforme narram Mateus (27,28), Marcos (15,1-5) e João (19,1).
2. Inchações na face documentam as bofetadas de que nos falam Mateus (27,30), Marcos. (15,19), Lucas (22,63) e João (19,3).3. Sangramento abundante do couro cabeludo indica que uma coroa de espinhos (em forma de gorro ou boné) lhe foi imposta na cabeça, segundo Mateus (27,29). Marcos (15,17) e João (19,2).4. O crucificado teve que carregar uma pesada peça de madeira, conforme indicam os ferimentos no ombro provocados por atrito prolongado. É o que diz João (19,17).5. Este crucificado caiu várias vezes sobre os Joelhos que aparecem bastante machucados. Conferir com os relatos de Mateus (27,32), Marcos (15,21) e Lucas (23,26).6. A crucificação foi feita por meio de cravos pregados nas mãos e nos pés, tal como atestam os ferimentos nos locais próprios, conforme se infere de João (20,25).7. As pernas deste crucificado não foram partidas, enquanto que o tórax foi penetrado por uma lança, segundo João (19,31-37), testemunha ocular da tragédia da cruz.
Especulativamente, poderíamos
eliminar alguns desses pontos, por serem habituais no bárbaro ritual da
crucificação e, portanto, comuns à maioria, senão a todos os crucificados. De
fato, o açoitamento era rotineiramente praticado antes da crucificação. Bofetadas
e pauladas deviam ser - e eram - tratamento uniforme para todos os condenados,
entregues indefesos à sanha de criaturas insensíveis e violentas. Era costume,
também, obrigar cada condenado a carregar a cruz até o local do suplicio.
(Aliás, ele carregava apenas o patibulum,
ou seja, a parte superior, que depois seria enganchada no stipes, o mastro, que já estava fincado no chão à espera da
vítima). Embora se praticassem crucificações amarrando os condenados à cruz por
meio de cordas, o mais comum era mesmo pregá-los com fortes e grossos cravos
nas mãos e nos pés. Era hábito, também, quando a família ou os amigos do
crucificado solicitavam seu corpo para sepultar, meter-lhe uma lança ou punhal
no coração, isso servia para confirmar a morte, a fim de não correr-se o risco
de ser criminoso recuperado posteriormente. Este lançaço tanto poderia ser,
portanto, um "golpe de misericórdia" para acabar com a vítima de uma
vez, quanto a forma de verificar se ele estava realmente morto.
Dois pontos, não obstante, nos
indicam que este era crucificado muito especial. Em primeiro lugar, os ossos
das pernas não estavam quebrados. como, aliás, prescreveu o autor dos Salmos.
("Todos os seus ossos serão preservados; nem um só se quebrará" -
Salmos – 34,20.) A fratura das pernas era, de certa forma, também um golpe de
misericórdia, porque resultava em abreviação da morte. Isto porque, segundo
explicou o Dr. Barbet, a morte se dava por asfixia, pois o crucificado somente podia
respirar nos breves Instantes em que, suportando dores atrozes, apoiava-se no
cravo que o prendia pelos pés para levantar o corpo e assim poder movimentar os
músculos do tórax que, pela sua rígida contratura, não permitiam expelir o ar
dos pulmões. Em seguida, o supliciado deixava cair novamente o corpo,
apoiando-se nos cravos das mãos. Novamente sufocava e tudo recomeçava... Assim
ficava enquanto aguentasse ou até que lhe quebrassem as pernas - usualmente com
uma barra de ferro. Impedido, afinal, de apoiar-se no cravo dos pés e,
portanto, de erguer o corpo para renovar o ar dos pulmões, o condenado morria.
Com o crucificado do Sudário não foi
preciso quebrar-lhe as pernas, porque a punhalada revelara momentos antes que
ele já havia falecido. Confira-se com a narrativa dos Evangelhos:
- E Pilatos admirou-se de que
Jesus houvesse morrido tão depressa e, chamando um centurião, perguntou-lhe se
efetivamente estava morto. (Marcos, 15,44.)
Aliás, diga-se de passagem, nem
mesmo os pequenos ossos das mãos e dos pés foram quebrados, pois, segundo
experiências incontestáveis do Dr. Barbet, nos lugares onde foram pregados os
cravos, tanto nas mãos como nos pés, há passagens naturais por onde se
encaminham os pregos, fenômeno esse que ao próprio Barbet surpreendeu. Outra
inesperada descoberta do Dr. Barbet - já que estamos abordando este ponto - foi
a de que, ao pregar o cravo no chamado "espaço de Destot'" na mão de
um cadáver, não apenas o sentiu "obliquar um pouco para dentro (e) penetrar
sem resistência", como ainda, notou que "o polegar se dobrava bruscamente",
fechando-se sobre a palma, forçado pela contração de um nervo, aliás,
extremamente sensível. De fato, as mãos do crucificado do Sudário indicam que
os polegares estão fechados sobre as palmas.
Outra importante observação: Os
cravos não poderiam ser pregados na palma das mãos porque o tecido se romperia,
conforme comprovou Barbet em experiências com cadáveres, deixando cair o corpo.
Confirma-se, portanto, que este
crucificado não teve nem um osso sequer fraturado, como afirma o Evangelho. Isto poderia ter sido, porém,
mera coincidência, pois é possível que outros hajam sido poupados da fratura nas
pernas por já haverem expiado em vista da verificação feita com a lança ou
punhal.
Resta a coroa de espinhos.
Dificilmente alguém se lembraria de impor a um condenado vulgar esse trágico
símbolo da realeza.
Confira-se novamente com o Evangelho:
- És tu o rei dos judeus?
Além do mais, lá estava a
tabuleta indicativa a anunciar precisamente que o homem ali crucificado fora acusado
de pretender ser o rei de sua gente.
É preciso observar, ainda, que a
coroa não tem a forma sob a qual aparece representada em inúmeros quadros,
gravuras e esculturas sobre a crucificação. Não foi um pequeno feixe de
espinhos em círculo em torno da cabeça, mas uma espécie de touca que a cobriu
toda, fazendo-a sangrar abundantemente, como atestam os coágulos perfeitamente visíveis
na testa e presos à massa dos cabelos. Vê-se isto na face e na imagem dorsal.
***
Ante esse brevíssimo e muito
incompleto resumo da situação, muitas perguntas se colocam obrigatoriamente
neste ponto. Limitemo-nos, não obstante, a duas especulações fundamentais:
Primeira: Teria sido mesmo o
Cristo o homem envolvido naquele pano?
Segunda: Qual a história dessa
misteriosa peça de linho?
Pio XI dizia que o Sudário estava
ainda cercado de "muitos mistérios". O Dr. Barbet repete na quarta
edição do seu livro - a que serviu à tradução do Cônego Castro Pinto - aquilo
que escrevera na primeira:
- "O futuro ainda nos
reserva, sem dúvida, bom número de surpresas".
Tanto o Papa como o médico
estavam certos. As surpresas continuam a surgir, enquanto certos mistérios
persistem.
***
Tomemos a primeira pergunta.
- Somente isto é certo - escreveu
John Walsh (The shroud, Edição Random House, 1963), citado por Robert Wilcox -
o Sudário de Turim é a mais espantosa e instrutiva relíquia de Jesus Cristo
existente - mostrando-nos, na sua sombria simplicidade, qual a sua aparência
ante os homens - ou é um dos produtos mais engenhosos que se conhece, mais inacreditavelmente
hábeis da mente e da mão do homem. É uma coisa ou outra: não há meio termo.
A propósito, conta o Dr. Pierre Barbet
que, ao publicar a primeira edição do seu folheto "Les Cinc Plaies" (As
cinco chagas), levou um exemplar ao seu mestre e amigo Professor Hovelacque,
convicto e brilhante cético.
- Quando (ele) acabou de ler -
escreve Barbet - depositou o opúsculo e, meditando, ficou em silêncio por
alguns momentos. Depois, explodindo de repente, com aquela bela franqueza que
consolidara nossa amizade, exclamou: "Mas, então, meu velho, Jesus-Cristo ressuscitou!"
Barbet confessa que foi uma das
mais profundas e doces emoções da sua vida aquela espontânea reação de um incrédulo
a quem ele estimava e respeitava.
Creio ser necessário dizer, a
esta altura, que o Doutor Barbet foi católico praticante, de uma belíssima e
pura fé. O leitor espírita encontrará na sua notável narrativa a singela aceitação
dos dogmas como, por exemplo, o da divindade de Jesus. Seria, no entanto, clamorosa
injustiça faltar-lhe ao respeito ou colocar sob suspeita suas valiosas observações
e conclusões. Em nenhum ponto da sua meticulosa obra ele procura acomodar o severo
espírito científico a preconceitos ou desinformações, mesmo que partam de
figuras respeitáveis da sua própria Igreja, que hajam examinado o assunto antes
dele. Ademais, seu livro é obra de imenso carinho pelo Cristo e de uma sensibilidade
rara, que ilumina todo o seu indiscutível saber, suas intuições, seus "achados",
suas soluções.
A meditação que constitui o capítulo
12 do seu livro é uma peça de impacto, que se lê com extraordinária emoção. É
tão vibrante e tão autentica que transmite ao leitor espírita a impressão de ter sido escrita sob inspiração mediúnica. Ou, quem sabe, seria um documento
anímico? Certas passagens parecem justificar esta ultima hipótese, ao
colocar-se o autor como testemunha da tragédia da cruz. Vejam, por exemplo,
esta transcrição, que parece redigida por quem esteve lá:
- Um ajudante estica os braços com
a palma da mão voltada para cima; o carrasco toma o cravo (um comprido cravo
pontudo e quadrado, que perto da grande cabeça tem 8 (oito) mm de largura) e
assenta-lhe a ponta sobre o punho, naquele vinco anterior, que tão bem conhece
pela experiência. Uma única martelada, e o cravo já está fixado na madeira onde
mais algumas outras acabarão de fixá-lo sólida e definitivamente. Jesus não
gritou, mas seu rosto se contraiu horrivelmente. E, sobretudo, vi ao mesmo
tempo, Seu polegar, com um movimento imperioso e violento, colocar-se em
oposição, na palma: o nervo mediano fora atingido. Mas, então, ressinto o que
experimentou Ele: uma dor inenarrável, fulgurante que se espalhou por seus
dedos, subiu como uma língua de fogo até a espádua e prorrompeu no cérebro. (Os
destaques são meus).
Mais adiante ele escreve:
"ali estarei eu ao pé da cruz, com Sua Mãe e João e as santas mulheres que
O serviam"; ou então: "Vejo agora bem de frente Vossa
fisionomia distendida... etc." E mais: "Prostro-me de joelhos diante
de Vós, beijando Vossos pés perfurados, de onde o sangue corre ainda, indo
coagular-se nas extremidades".
***
A convicção de Barbet sobre a
autenticidade do Sudário, com base em experiências rigorosamente científicas, é
hoje partilhada por muitos cientistas da mais variada gama de especializações:
médicos, radiologistas, criminologistas e até físicos nucleares ou técnicos em
computação eletrônica.
Tomemos, por exemplo, o Dr. Max Frei,
cientista já aposentado, ex-chefe do laboratório da Polícia Científica de Zurich.
É ele, autoridade mundial na dificílima técnica de identificar minúsculos grãos
de pólen. Convém explicar que, ao disseminar-se por toda parte, o pólen é
encontrado até em objetos muito bem guardados. Identificada a planta de origem,
não é difícil saber em que região esteve aquele objeto; no caso, o Sudário.
Pois bem, o Dr. Frei teve acesso
ao Sudário, talvez por causa da extrema e desconcertante simplicidade do seu
processo de coleta de material para exame; ele cortou alguns pedaços de fita adesiva,
pressionou-os sobre o pano e os foi colocando em envelopes. Suas conclusões,
embora cautelosas, como convém a um cientista responsável e respeitável, foram,
não obstante, altamente positivas. Ele está convicto de que há no Sudário grãos
de pólen de seis espécies de plantas "exclusivamente palestinas", bem
como outras da Turquia e, a maior parte, das estepes da Anatólia. Em suas
próprias palavras, citadas por Ian Wilson:
- Isto autoriza a conclusão definitiva
de que o Santo Sudário não é uma adulteração.
Vejo, porém, que inadvertidamente
entramos no âmbito da segunda pergunta, que consiste em deslindar a história do
Sudário. Desculpe o leitor se lhe peço que retomemos por mais algum tempo a
primeira, que questiona a autenticidade da imagem ali impressa.
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O Sudário de Turim II
Revista Reformador Abr. 1979
É preciso dizer aqui que zelosíssimas
autoridades religiosas guardam o Sudário e velam pela sua integridade, embora
tecnicamente ele ainda pertença à família de Saboia, ora representada pelo ex-Rei
Umberto I, da Itália. Não é fácil, por motivos óbvios, conseguir que a preciosa
peça de linho seja colocada à disposição dos inúmeros cientistas nela
interessados. Por mais que sejam assegurados os guardiães da peça quanto ao
rigor das cautelas ao manuseá-la, há sempre riscos da danificação irreparável.
É certo que as surpresas
previstas pelo Dr. Pierre Barbet continuam a surgir, mas a evidência hoje
acumulada sobre a autenticidade da imagem como sendo mesmo a de Jesus, é
praticamente indestrutível, ainda que certos mistérios permaneçam insolucionados.
Um deles: como teria sido
produzida a imagem?
Não foram poucos - e até
sacerdotes - que adotaram e propagaram a hipótese de ter sido obra de um pintor.
A hipótese está hoje completamente desacreditada. Barbet demonstrou a
fantástica precisão da imagem do ponto de vista anatômico e fisiológico. Nem o
mais poderoso gênio artístico teria condições de criar a imagem tal como está.
Pode-se demonstrar isso ante os inúmeros e grosseiros erros cometidos ao longo
dos séculos nas telas e nas esculturas: cravos nas palmas das mãos, sangue a
escorrer em contradição com as leis da fisiologia, posição errada da cabeça
(pendida para a direita), estilização de coroa de espinhos e outras anomalias
menores. Ademais, quem se lembraria de pintar uma Imagem humana em negativo?
Ainda que se lembrasse, quem seria capaz de fazê-lo? A noção negativo somente
apareceu no século XIX com a fotografia. Outro detalhe Importante: não há o
menor traço de tinta no Sudário.
A próxima pergunta seria esta: Há
sangue no Sudário?
Parece que não. Seja o que for
que produziu a imagem não é uma substancia que haja penetrado na intimidade das
fibras do tecido; coloriu apenas a camada superior da fibra, sem penetrar, sem
haver, portanto, embebido o linho que é altamente absorvente, como se sabe.
Alias, verificou-se em 1973 que, de fato, a imagem não aparece no avesso do
pano, o que confirma estar impressa apenas levemente na superfície das fibras.
A imagem foi, pois, criada "a seco", na expressão de Wilson. Estas
verificações foram feitas mediante exame microscópico com aumentos de 17 mil e
50 mil vezes.
As reações químicas para testar a
existência de sangue, por sua vez, resultaram negativas, "indicação muito,
multo forte de que não há sangue no Sudário", conforme escreve Wilson. Outra curiosidade: os grânulos que produzem a coloração sépia da Imagem no
tecido, tratados quimicamente, revelaram-se insolúveis.
Ante a dificuldade de explicar o fenômeno
da formação desse autorretrato, os cientistas começam a apelar para os
computadores, para a física nuclear e tudo o mais que a tecnologia moderna tem
a oferecer como contribuição à decifração do enigma.
Enquanto isso, a transcendental
nobreza daquela face e a serena beleza de seus traços continuam a irradiar
estranho e misterioso fascínio. Sem dúvida alguma, trata-se da imagem de um ser
superior.
Observem bem a face impressa.
Nenhuma deformação ou distorção. A imagem corresponde à que se obteria na superfície
plana de uma película ou chapa de vidro sensibilizado e não a que se formaria
num pano em torno da cabeça. Além disso; é um negativo em si mesma. Um pano
enrolado mostraria nas suas dobras pedaços da imagem com "vistas"
tomadas da frente e dos lados simultaneamente, como se uma ou várias câmaras
fossem acionadas de ângulos diversos, o que, evidentemente, não é o caso. Por
outro lado, as manchas de sangue mostram-se, contraditoriamente, em reverso
quanto à figura propriamente dita.
Não se admira, pois, que os
pesquisadores modernos estejam, a esta altura, decididamente inclinados à
aceitação de um fenômeno raro que alguns classificam como "parapsicológico"
e outros de “paranormal’’ ou mesmo “nuclear”, Wilson deu ao capitulo final do
seu fascinante livro o título sugestivo de “The Last Miracle” - “O Último
Milagre”. Sem dúvida alguma, aquela imagem foi produzida por um esforço
consciente de vontade do ser que ali esteve envolvido naquela peça de linho.
Processando pelo estudo acurado e
pela meditação prolongada os dados que até o momento foram documentados, creio
que a reconstituição seria mais ou menos assim:
O corpo do Cristo - não parece pairar
mais dúvidas sobre sua autenticidade – foi removido da cruz e transportado
horizontalmente, ainda pregado ao travessão (patíbulo), esgotando pelo caminho
praticamente todo o sangue que lhe restara. (O Dr. Barbet ensina enfaticamente que
o sangue não se coagula dentro das veias, mesmo no cadáver.) Depositaram-no no
chão, provavelmente sobre a famosa pedra que lá está em Jerusalém dentro da
Igreja do Santo Sepulcro. (Eu a vi em 1977.) Ali os braços foram despregados. Ante
o avançado estado da rigidez cadavérica, os braços tiveram que ser forçados a
tomar a posição em que aparecem, com as mãos cruzadas e apoiadas sobre o púbis,
como se vê na imagem. Para mantê-los ali foi preciso atá-los com tiras. Também o
queixo foi preso por uma tira e, talvez, os pés, muito embora, estes, pela
posição em que foram pregados, não precisassem de ataduras para se manter
unidos; a própria rigidez o faria. Há sinais evidentes das ataduras sob o
queixo e nas mãos. O corpo não foi lavado, nem ungido, como prescrevia o ritual
Judaico, porque não havia mais tempo. (O Dr. Barbet lembra a profecia de
Isaías: "Da planta do pé até o alto da cabeça não há nele nada de são: não
há senão ferimentos, sangue e chagas entumecidas que não foram ligadas, nem
limpas, nem ungidas com óleo.") O tempo urgia. "Era o dia da
Preparação - escreve Lucas (23:54) - e já brilhavam as luzes do Sabá",
pois era costume acenderem-se as lâmpadas votivas ao cair da tarde de sexta-feira.
A lei não permitia qualquer atividade no sábado, ainda mais com cadáveres.
Apressadamente foram tomadas as providências mínimas possíveis, deixando-se
para depois o cumprimento das exigências do ritual que começava com a lavagem
do corpo e a seguir, a sua unção, antes de vesti-lo. Limitaram-se a estender o
corpo sobre uma das metades do linho e dobraram a outra metade por cima da
cabeça, cobrindo-o até os pés, como se vê da gravura que reproduz o quadro de
Giulio Clovio. O recentíssimo desdobramento tridimensional da imagem em complexos
analisadores eletrônicos parece indicar que uma pequena moeda foi colocada em
cima de cada pálpebra para mantê-las cerradas. Colocaram junto do corpo grande
quantidade de especiarias destinadas a preservá-lo até a manhã de domingo,
quando, encerrado o Sabá, voltariam para concluir o sepultamento. Ali ficaria o
corpo durante as próximas trinta e seis horas, mais ou menos, ou seja, desde a
duodécima hora de sexta-feira (6 horas da tarde) até à primeira hora de domingo
(6 da manhã). Nesse intervalo, porém, algo aconteceu de totalmente inesperado e
extraordinário. Algo como súbita e, não obstante, controlada desintegração
nuclear desmaterializou o corpo e chamuscou o pano apenas o suficiente para
estampar nele, com absoluta fidelidade, a imagem do ser que ali estivera. (É
este o relato de Wilson, bem como o de Wilcox.)
Com o direito que me confere a
ignorância sempre atrevida dos que não sabem, mas ousam, suponho que, ao atingir
o tecido, a energia que imprimiu o retrato em negativo encontrou aderidos ao
pano os coágulos e, ao desmaterializá-los, reverteu-lhes a imagem,
transformando-os em manchas positivas. Esse flash energético é a única maneira
até agora admissível de explicar a aparência chamuscada da imagem. (Os autores
de língua inglesa usam a palavra scorching).
Esse relato sucinto elimina
sumariamente antigas controvérsias. Por exemplo: O corpo foi ou não foi lavado,
como prescreve o rigoroso ritual judaico? Não chegou a sê-lo por falta de tempo,
como vimos, e no domingo pela manhã não havia mais corpo ali para ser lavado,
ungido e sepultado. Estava assim realizada a profecia de Isaías lembrada pelo
Dr. Barbet. Por outro lado, o corpo não foi roubado, como sugere, entre outros,
Frank Morison, no seu livro “Who Moved the Stone?” - "Quem Removeu a Pedra?",
edição Faber, 1958. Quem o roubasse, certamente teria levado também o pano que
o envolvia. Por outro lado, se o corpo houvesse permanecido no pano por tempo
muito longo, teria destruído a imagem, mesmo que precariamente formada. É o que
supõe Wilcox, que examinou pessoalmente no Louvre dezenas de mantos mortuários egípcios,
nos quais, corpos humanos haviam sido depositados.
Quanto aos panos, vistos por
Pedro e João, o debate é puramente acadêmico e resulta de interpretação ou
tradução defeituosa das palavras de João. O que havia no túmulo eram o Sudário
e as tiras que serviram para atar o queixo e as mãos e (provavelmente) os pés.
Nada confirma que tenha havido também um lenço que cobrira o rosto. É certo que
a imagem poderia ter atravessado o suposto lenço e Imprimir-se no tecido da
mortalha, Há exemplos documentados em herbários nos quais a fiel reprodução da
planta aparece não apenas na página de contato como na seguinte. Não parece, no
entanto, que seja este o caso do Sudário.
***
Seria longo discorrer ainda sobre
as minucias suscitadas pela segunda pergunta que formulamos, ou seja, da historicidade
do Sudário. Apenas um sumaríssimo comentário, pois. E nesse ponto, o trabalho
de Ian Wilson é realmente fabuloso e suas ilações nada menos do que geniais.
A primeira noticia documentada
sobre o Sudário é de Robert de Clari, cavalheiro francês que participou da
tomada de Constantinopla em 1204. Ele o teria visto lá. Antes disso, o que Wilson descobriu - e isto
parece perfeitamente admissível - é que há um intrincado baralhamento da
história do Sudário de Turim com a lenda - hoje plenamente reconhecida como tal
- do Sudário da Verônica. Seguindo as pistas históricas do suposto lenço da Verônica,
conhecido sob o nome do Mandylion, Wilson levantou todo o seu percurso através
da história e da geografia, a partir de Edessa, até que fosse parar, já identificado
como o Sudário, em mãos de Godofredo de Charny, outro cavalheiro francês, em
1357. Esse "branco" de século e meio, entre 1204 e 1357, Wilson explicou
com uma hipótese tão audaciosa quanto engenhosa (e, a meu ver, perfeitamente
aceitável) de que o Sudário teria permanecido em poder dos Templários. Os
integrantes dessa ordem veneravam em misteriosas e secretíssimas sessões, a
figura de uma cabeça, à qual raríssimos tinham acesso em ocasiões muito
especiais. Suas meticulosas pesquisas e seu exaustivo relato são convincentes.
Segundo ele; são Bernardo de Clairvaux
teria sido aquele que lançou as bases do culto do Sudário, considerando-o a
mais preciosa relíquia da cristandade. Bernardo como se sabe, teve profundo
envolvimento com os Templários, chegando mesmo a escrever-lhes uma espécie de
estatuto, pelo qual se regiam. Não se sabe, porém, se ele chegou a ver o Sudário.
Se o viu, conservou o segredo.
O estudo comparado de Wilson
demonstra que, pelo menos a partir do século sexto, os retratos do Cristo ainda
hoje preservados foram evidentemente inspirados na imagem gravada no Sudário,
senão copiadas diretamente dele. Algumas têm os olhos abertos; há, porém, um
rosto pintado num pano que data ao século segundo. Está reproduzido na
Enciclopédia Britânica (1963) e se encontra na sacristia da Igreja de S. Pedro,
em Roma. Este rosto é, obviamente, uma cópia da imagem estampada no Sudário. Em
muitos desses quadros aparecem marcas e características inconfundíveis e perfeitamente
identificáveis com o rosto do Sudário. Outra coisa curiosa é que, a exceção de
apenas dois ícones, a cabeça do Cristo apareça pintada em formato ‘paisagem’ e
não em formato ‘retrato’.
Esses fatos confirmam que não
poucos pintores tiveram acesso ao Sudário que, por ser exibido sempre dobrado,
mostrava somente a face através da dimensão menor do pano. Por Isso mesmo,
muita gente julgou que o pano continha apenas a reprodução da face e não de
todo o corpo. Isso teria contribuído para a confusão com o chamado Sudário da
Verônica.
Muito ainda se teria a dizer
sobre este sugestivo problema, mas é impraticável, no espaço de um artigo,
abordar as especulações de toda uma vasta literatura que existe em muitas
línguas e continua a crescer.
***
Embora ainda não estejam
desvendados todos os mistérios do Sudário, a mensagem preservada nele situa-se
precisamente no centro vital de transcendentais indagações. Relembre-se a espontânea
expressão do Prol. Havelacque: "Então, mon
viex, o Cristo ressuscitou!" A força dessa evidência move até a fria
dureza do ceticismo a da descrença.
Paulo entendeu com toda a clareza
a importância do episódio. Em sua Primeira Carta aos Coríntios ele escreveu:
- Porque se os mortos não
ressuscitam, então o Cristo também não ressuscitou, E se o Cristo não
ressuscitou, é vã a vossa fé e permaneceis presos aos vossos pecados. (I Cor.
15:16-1 7.)
O Apóstolo dos Gentios assentou,
pois, o edifício da fé e a doutrina do resgate na evidência histórica hoje
documentada no testemunho do Sudário - do que se convencionou chamar de
ressurreição.
Que é, no entanto, ressurreição?
Que é ressuscitar? Que conceito formulavam os autores desses relatos -
Evangelhos e Epístolas - acerca da ressurreição?
Há aqui alguns aspectos a
esclarecer.
Kardec informa em "O
Evangelho segundo o Espiritismo", capitulo quarto, número 4 que:
- A reencarnação fazia parte dos
dogmas dos judeus sob o nome de ressurreição. Só os saduceus, cuja crença era a
de que tudo acaba com a morte, não acreditavam nisso.
E mais adiante:
- (...) a ressurreição dá ideia
de voltar à vida o corpo que já está morto, o que a Ciência demonstra ser
materialmente impossível.
E ainda:
- A palavra ressurreição podia
assim aplicar-se a Lázaro, mas não a Elias, nem aos outros profetas.
De fato, Lázaro foi retornado ao
seu corpo, que "voltou à vida", enquanto João Batista é a reencarnação
(em outro corpo, portanto) do Espirito Elias.
Não é, pois, no sentido aceito
pelos Judeus da época que os autores dos Evangelhos e das Epístolas empregam o
termo ressurreição em relação a Jesus.
Ao formular seus dogmas, a Igreja
entendeu considerar a ressurreição como recomposição ou reanimação do corpo.
Curiosamente, porém, o texto básico da fé católica – o Credo – ensina que Jesus
“ressurgiu dos mortos”, o que está longe de equivaler a ressuscitou, no sentido
dogmático da palavra.
Buscando o termo correspondente
no texto grego (Edição da "The British and Foreigh Bible Society",
1949, sob o título "Diatheke") encontro, por exemplo, em Marcos 9:9 e
10, a palavra anastre no versículo 9
e anastenai no 10, que correspondem a levantar e erguer, segundo meu modestíssimo
dicionário de Bolting (Imprensa Nacional, 1941). Transcrevo o texto citado:
- "9. Quando desceram do
monte ordenou-lhes que a ninguém contassem o que haviam visto até que o Filho
do Homem ressuscitasse (anastre) de entre os mortos. 10. Eles observaram esta
recomendação, discutindo entre si que era "ressuscitar (anastenai) de
entre os mortos".
O termo latino correspondente - resuscitare
traduz-se no já citado Dicionário Santos Saraiva, como despertar, reanimar.
Valendo-me novamente do direito da ignorância, ouso supor, não obstante, que os
verbos propostos pelo dicionário latino para traduzir a palavra estão influenciados
pelo seu reiterado e bimilenar emprego como expressão para descrever a chamada
ressurreição do Cristo. Isso porque a palavra suscitare - sem o prefixo tem a
significação que é dada normalmente no grego, ou seja, levantar, erguer,
elevar.
Se isto é assim, então, há realmente
uma grande diferença entre dizer que o Cristo despertou ou reanimou-se depois
de morto e afirmar que ele levantou-se ou ressurgiu dos mortos, como diz o
Credo. O primeiro significado pressupõe despertamento ou reanimação (trazer de
volta a alma) ao mesmo corpo sepultado, enquanto o segundo pode facilmente
conter o sentido de que ele abandonou um corpo - ou desintegrou-o - para
levantar-se ou ressurgir em outro.
Este último conceito com o suporte
do texto grego – língua em que escreveu Marcos – é aquele que claramente adotou
Paulo, ao explicar, a partir do versículo 35, capitulo 15, da Primeira Epístola
aos Coríntios, "como ressuscitam os mortos".
Nesse texto distingue ele com
precisão didática a existência de dois corpos, um corruptível – a que chama natural
- e outro incorruptível, ao qual ele chama de corpo espiritual. Este é o que
herda o Reino dos Céus e não "a carne e o sangue", diz ele.
Seja qual for, não obstante, a
posição de cada um nessa problemática, tanto nos arraiais da fé como nos da
descrença, o Sudário é a silenciosa e eloquente testemunha do que se passou no
túmulo da família Arimatéia no angustiado silêncio daquele Sabá, entre a
duodécima hora da trágica sexta-feira e o alvorecer do radioso domingo.
É uma pena que não possamos
aceitar as belas palavras que Ian Wilson escolheu para marcar o fenômeno, ao
intitular o seu capitulo final de "O Último Milagre". E isso, por
duas razões indiscutíveis. A primeira é esta: milagre é um termo que tem sido
muito abusado, no sentido de que representa uma derrogação das imutáveis leis
divinas. Poderíamos aceitá-lo, porém, no seu sentido etimológico, primitivo,
original que significava prodígio, maravilha, coisa prodigiosa (miraculum).
Mesmo assim, não seria aquele o último “milagre” - e esta é a segunda razão -
da mesma forma que não foi o primeiro, pois ele continua a produzir coisas
prodigiosas de amor, sabedoria e devotamento à sua causa divina, ou seja, à
causa de cada um de nós.
De minha parte, pois, se é que o
leitor paciente está interessado em minha opinião, não tenho dúvida em aceitar
que a imagem estampada no Sudário de Turim é a de Jesus.
Certamente o autorretrato que Jesus
escreveu e gravou com a sua luz tem ainda muito a nos dizer, mas o que já disse
àqueles que conseguiram entender a sua linguagem muda e eloquente basta para
confirmar a colocação do problema da chamada ressurreição no centro e na base
da fé que, com o Espiritismo, adquiriu foros de convicção porque passou a ser
iluminada pela razão. Afinal de contas, se o Cristo não houvesse “ressurgido
dos mortos”, vã seria toda a nossa fé e continuaríamos, no dizer de Paulo,
presos aos nossos erros.
***
E podemos, com isso, relembrar a
emocionante cena vivida no jardim, naquele doce amanhecer de domingo.
A luz do dia ainda hesitava entre
as últimas brumas da noite, quando Madalena viu duas figuras vestidas de branco
exatamente ali onde estivera depositado o corpo do Mestre.
- Mulher, por que choras? – perguntaram-lhe.
- Porque levaram o corpo do meu Senhor
e não sei onde o puseram - respondeu ela, desolada.
E ao dizê-lo, olhou para trás e
viu outra figura que no lusco-fusco da madrugada, supôs ser o jardineiro. Este
também lhe perguntou:
- Mulher, por que choras? A quem
procuras?
- Senhor, se tu o tiraste dize-me
onde o puseste e eu o levarei.
Era uma súplica. E o
"jardineiro":
- Maria!
Ela virou-se num só impulso, para
entrar na História da Humanidade como a primeira testemunha da sobrevivência do
Mestre. Nem sei como imaginar a expressão do seu rosto, o impacto da sua emoção
e a explosão da sua ternura. Somente conseguiu dizer uma palavra, na qual punha
toda a sua indescritível felicidade:
- Raboní!
Era ele; havia cruzado e
descruzado as fronteiras da morte. Tal como havia prometido. Ele pediu-lhe que
não o tocasse, como ela desejava, e ordenou com doçura:
- Vai a meus irmãos e dize-lhes
que vou para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus.
Ele que aceitara o título de
Mestre e até de Rei ("Tu o disseste!"), punha-se agora como irmão.
Um dia, à luz radiosa de um
domingo primaveril, estarão expulsas de nós as últimas sombras, e, tal como
nosso Irmão Maior, também nos ergueremos da tumba em corpos de luz...
Hermínio C. Miranda do livro:
As Duas Faces da Vida.
Nota: Artigo publicado originalmente em duas partes na
Revista Reformador de Mar. 1979 e Abr. 1979 - FEB, posteriormente incluído no livro:
As Duas Faces da Vida.
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- Para seguirmos corretamente o espiritismo, devemos submeter todas as mensagens mediúnicas ao crivo duplo de Kardec, sendo eles, a razão e a universalidade.
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- Cisão para estudo de acordo com o Art. 46 da Lei de Direitos Autorais - Lei 9610/98 LDA - Lei nº 9.610 de 19 de Fevereiro de 1998.
Acima foto das publicações originais na Revista Reformador e abaixo, o livro onde foram incluídas.
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