Um relato impressionante
Maurício M. Vilela
Quase um século após seu surgimento, “A História Triste” e sua autora permanecem envoltos em mistério.
No mundo moderno, repleto de romances mediúnicos, muitos dos quais de valor doutrinário questionável e a imensa maioria com baixa qualidade literária, a história de não só um romance, mas toda uma obra que incluía poemas e prosa, linguagem atual e arcaica, temas religiosos e seculares, com uma qualidade que foi, por muitos literatos, considerada como “genial” se destaca no mundo da psicografia.
Estamos falando de Patience Worth, a entidade espiritual que, por cerca de 25 anos, produziu uma enorme obra de qualidade literária invejável, a ponto de vários estudiosos serem taxativos ao afirmar que, se não existisse a incômoda questão da mediunidade, sua autora seria hoje louvada entre os grandes da língua inglesa.
Tudo começou em 1913 quando Pearl Leonore Curran, uma senhora americana, foi visitar uma amiga que sugeriu que realizassem a, então popular, “brincadeira” com o tabuleiro de Ouija, onde as letras são apontadas sucessivamente formando palavras. Diversas entidades espirituais se manifestaram até que, depois de alguns dias, uma delas se apresentou como sendo Patience Worth e, a partir daí, passaria a ser o único espírito a se comunicar por cerca de 25 anos.
Dando poucas informações a seu próprio respeito, exceto ter vivido na Inglaterra em torno de 1640, emigrado para os EUA e morrido lá, Patience iniciou um intenso trabalho de produção literária, escrevendo romances e poemas onde, muitas vezes, descrevia as paisagens e praias inglesas enquanto Pearl Curran nunca havia saído de sua cidade e nem conhecia o mar. Patience utilizava, na maioria da sua obra, um inglês arcaico que, analisado, se constatou que não possuir uma única palavra que tivesse sido introduzida no idioma inglês posteriormente ao século 17. É o caso do grandioso poema Telka, constituído de 70 mil palavras. Porém, a médium tinha conhecimento geral muito limitado visto que abandonara os estudos no intuito de se dedicar à música. (1)
Sem nenhum demérito ao restante de sua produção literária, sua obra mais importante, sem dúvida, é “A História Triste” (The Sorry Tale), uma trilogia que conta a história de um homem cuja vida se confunde com a vida de Jesus. Filho de uma escrava, ele recebe o nome de Ódio e sua vida seria uma oposição à vida daquEle que se poderia chamar de Amor.
Dividida nos livros “Panda”, “Hatte” e “Jesus”, a obra descreve com minúcias impressionantes a vida na Palestina na época de Jesus, coisa inexplicável para uma senhora do interior dos EUA, que nunca se interessara por História ou religião. Alguns trechos levaram a questionamentos iniciais, posteriormente explicados, como quando se acreditou haver sido detectada uma falha no seu texto, onde personagens se referiam ao imperador romano pelo título de rei. Verificou-se que, nas províncias romanas, existia o costume de se chamar rei ao imperador. A pretensa falha serviu para confirmar ainda mais sua autenticidade.
A obra surpreendeu o mundo literário, a ponto de um crítico especializado afirmar: “A longa e complexa história é construída com a precisão e a acuidade de um mestre. É um livro maravilhoso, belo e nobre. Sua arcaica linguagem e o freqüente uso de colocações fraseológicas indiretas exigem a maior atenção. O sentido é, às vezes, tão profundo que somente considerável estudo o tornará compreensível.” (2)
E tudo isso ficaria completamente desconhecido do leitor brasileiro se não fosse o esforço hercúleo de Hermínio C. Miranda, que decidiu não só traduzir a trilogia, mas complementá-la com um quarto volume com análise e comentários da obra.
A autora espiritual não faz nenhuma concessão ao leitor. O romance começa com duas páginas de diálogos onde inexiste qualquer indicação de quem está falando ou narração paralela. Somente frases do diálogo. Cabe ao leitor, pelo conteúdo das frases, descobrir quem são os personagens e qual está falando cada frase. Talvez isso, por si só, já tenha afastado muitos leitores que não deram tempo ao livro para descobrir que, pouco adiante, a autora passa a narrar os eventos e indicar os personagens que estão falando.
Porém isso não torna a leitura mais fácil. O texto de Patience é repleto de metáforas, figuras de linguagem e neologismos que impressionaram os especialistas que analisaram sua obra. A facilidade com que a autora transforma substantivos em verbos tornou a tarefa de traduzir o texto, num trabalho de pesquisa linguística para Hermínio Miranda.
Vejamos alguns trechos onde o texto poético de Patience revela mensagens de extrema sabedoria.
“Os homens do mundo são como cabras que se alimentam de tolices, ainda que a terra lhes ofereça sabedoria.” (3)
“Os Templos, Lucius, foram construídos para reter sabedoria não para proclamá-las.” (3)
“Aquele que jamais carrega um fardo de mágoas não conhece a alegria de libertar-se delas.” (4)
“Hatte, Hatte, olhe para as muralhas da cidade. Olhe para o que se construiu dentro delas. Olhe para os marcos das estradas. Veja tudo isso. É tudo obra dos homens. Veja a matança nos sacrifícios. Isso é obra dos homens. Espere pelo nascer do sol amanhã. Aquilo, sim, é obra de Deus!” (4)
“Dos lábios dos homens a palavra ‘tolice’ cai muito mais facilmente do que qualquer outra palavra.” (4)
“Cada pessoa que vem à tua casa fala de um deus diferente. Isso parece uma tolice, pois todos sabem que apenas uma pulsação é a Dele em seus corações.” (4)
“As palavras de um sábio são como redes de pescar e os tolos são os peixes menores que escapam por suas malhas.” (4)
“Pois o homem fica louco com as coisas da vida e tece panos, e com eles se veste, e é através das chamas do sofrimento que ele deve caminhar, a fim de que o fogo queime suas roupas e o torne nu de roupas e de loucura!” (4)
“O amor é uma seta veloz sempre a voar pelo espaço e seu alvo é o coração do grande Deus.”(5)
“Nenhuma chave pode abrir os templos – disse Ele – pois Deus não está lá dentro. O homem tem seu Deus da mesma forma que tem sua sombra. Os profetas falaram da cólera divina, mas Ele lhes enviou uma nova língua para falar de sua misericórdia.”(5)
“Essa é a insensatez de todos os homens. Um dia aprenderão que não têm como ofender a Deus, pois sua insensatez cai sobre eles mesmos.”(5)
“Moldamos com nossa própria argila as coisas que constroem as eternidades.”(5)
“A multidão respondeu em coro:
Infelizmente, a obra de Patience caiu no esquecimento, pouco depois da morte da médium, por uma associação de fatores que iam da dificuldade de compreensão de seu texto ao preconceito quanto à origem “sobrenatural” dos livros.
Graças a Hermínio C. Miranda, temos uma tradução – repleta de notas explicativas do tradutor – para o português, permitindo ao espírita brasileiro conhecer essa obra. No entanto, a belíssima edição de 2010 já se encontra esgotada e sem sinais de uma nova edição em curso. Estaria o leitor brasileiro, acostumado com romances melosos e de fácil digestão, preparado para um texto tão complexo? Ou o esforço de Patience e Pearl estaria condenado ao esquecimento? Só o tempo dirá.
- Para seguirmos corretamente o espiritismo, devemos submeter todas as mensagens mediúnicas ao crivo duplo de Kardec, sendo eles, a razão e a universalidade.
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