Inovação e originalidade
Deolindo Amorim
Onde a originalidade absoluta? Vamos ao caso do Espiritismo. Se é verdade que o intercâmbio entre mortos e vivos já existia de todos os tempos, e não há originalidade, realmente, sob este ponto de vista, também é verdade que a Doutrina Espírita (1857) racionalizou a prática mediúnica e deu interpretação nova aos fenômenos chamados de além-túmulo, tendo afastado, ao mesmo tempo, a ideia de milagres, e umas tantas crendices que cercavam e ainda cercam as comunicações mediúnicas entre pessoas desinformadas a respeito do Espiritismo. Ainda mais: a Doutrina estabeleceu uma classificação que nos habilita a situar as categorias de fenômenos e os diversos tipos de médiuns. Nada disto se havia feito antes do Espiritismo. Diferentemente de outras doutrinas espiritualistas, a Doutrina Espirita deu o devido valor à fenomenologia extraterrena, porém extraiu, delas, consequências que jamais haviam sido imaginadas, quer na ordem filosófica, quer na ordem moral. A Doutrina forma, portanto, uma estrutura homogênea, com os seus termos, os seus conceitos, a sua metodologia. E neste aspecto exatamente estão os seus traços de característica própria, inconfundível, embora não seja original nos princípios que lhe servem de base: sobrevivência, a comunicação, o ensino do Cristo, convém frisar novamente.
Conquanto a sua motivação inicial tenha sido o elemento mediúnico, a Doutrina Espírita não se limitou ao trabalho de catalogação, que viria a tomar-se monótona ou rotineira com o tempo, mas formou, na realidade, um corpo íntegro de proposições abrangentes, justamente porque englobam inquirições e deduções filosóficas, com aplicações morais a todas as circunstâncias da vida humana. Como decorrência de seu embasamento, a Doutrina concilia a inteligência e o sentimento, a cultura e a moral, o amor e o conhecimento puro, dentro de uma síntese muito bem equilibrada.
Convém assim acentuar por isso mesmo, naturalmente repetindo o que já disse muitas vezes, que a Doutrina Espírita não veio para ser mais uma denominação de fé, o que significa, por outras palavras: não veio para aceitar tudo ou para concordar com o que já estava dogmatizado. A Doutrina teria de remover alguma coisa, como teria de corrigir muitas ideias e repelir muitas opiniões petrificadas. E, se assim não fosse, não teria razão de ser a sua existência. Com que objetivo, então, teriam os espíritos ditado a Codificação a Allan Kardec? Obviamente, para mudar alguma coisa, embora sem violência nem condenações. Mas não poderia adaptar-se a velhas fórmulas e crenças destituídas de fundamento.
É aqui, finalmente, que se defrontam dois critérios críticos: o externo ou objetivo e o interno ou subjetivo. A crítica externa vê apenas a expressão formal e, por isso, aponta falta de originalidade na Doutrina pelo simples fato de que seu embasamento tenha sido formado de ideia e crenças das mais recuadas na História. A crítica interna, entretanto, vê o pensamento consequente da Doutrina, sua linha de coerência, suas colocações próprias nos contextos fundamentais. A crítica formal ou externa pode apreciar ou julgar uma obra até mesmo pelo lado estético ou pela ordenação das matérias, sem descer ao conteúdo, ao passo que a crítica interna procura o pensamento legítimo, a exatidão dos conceitos, as posições da obra, os fundamentos mais consistentes. Pelo fio da crítica interna, portanto, logo se descobre que a Doutrina Espírita ensina o Evangelho, por exemplo, à luz de uma visão nova em relação às ideias antigas, mostrando o Cristo, não como simples filósofo, porém como um Messias Divino, como nos diz Kardec em A Gênese (capítulo n.°41). Declara a Doutrina: “Longe de negar ou destruir o Evangelho, o Espiritismo vem, ao contrário, confirmar, explicar e desenvolver, pelas novas leis da Natureza, tudo quanto o Cristo disse e fez...” Correspondendo assim às exigências da época em que foi elaborada, a Doutrina elucidou pontos obscuros ou distorcidos, anteriormente interpretados sem os recursos dos conhecimentos modernos.
Nesta ordem de ideias, podemos dizer tranquilamente que a Doutrina Espírita trouxe, de fato, uma contribuição muito oportuna às questões atinentes à Justiça Divina, tanto quanto ao destino humano e à vida futura, com luzes novas, não há dúvida. Até mesmo no que se refere à reencarnação, crença velhíssima no Oriente, o pensamento espírita introduziu esclarecimentos que tornam esse princípio mais compatível com a justiça suprema e o próprio bom senso. Tanto assim que rejeitou a ideia da volta do Espírito em corpo de animal (metempsicose), noção admitida, não de um modo geral, mas em determinados círculos. A Doutrina, em suma, não subscreveu, ao pé da letra, tudo quanto já existia. E ainda nos põe diante de argumentos pelos quais podemos conciliar logicamente a reencarnação com o livre-arbítrio e o determinismo no processo evolutivo do ser humano.
À crítica puramente externa ou formal — repetimos de propósito — não vê os aspectos intrínsecos da Doutrina e, por isso, não descobre os pontos em que ela enriqueceu a compreensão do problema religioso e projetou as suas luzes na interpretação filosófica dos fenômenos que já existiam. A esta altura, enfim, o que interessa considerar não é a originalidade dos elementos componentes, mas o corpo da Doutrina, em si, com a sua característica própria.
- Para seguirmos corretamente o espiritismo, devemos submeter todas as mensagens mediúnicas ao crivo duplo de Kardec, sendo eles, a razão e a universalidade.
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