Assistência Espiritual
Deolindo Amorim
Uma questão ainda muito discutida na seara espirita é a da intervenção dos Espíritos nos interesses humanos. Embora os ensinos da Doutrina sejam claros e compreensíveis, as interpretações a este respeito, às vezes, são desiguais, inevitavelmente.
O bom senso com as luzes da doutrina, seria suficiente para colocar a questão em seu verdadeiro lugar sem conflito de opiniões. Há certas questões doutrinárias, em cuja análise deve entrar indispensavelmente o bom senso de cada um.
É o caso, por exemplo, da assistência dos Espíritos, quando se trata de necessidade material.
Os Espíritos amigos, os protetores, afinal, não são indiferentes às dificuldades materiais de cada um de nós, segundo os fatos constantemente observados.
Exagera-se, porém, a concepção do verdadeiro papel dos Espíritos nos atos humanos. Quase sempre a questão vai para um extremo ou para outro, ou dificilmente fica no meio termo. Algumas pessoas admitem que os Espíritos devem intervir em tudo, dirigindo os nossos passos, acompanhando os nossos pensamentos, ao passo que outros sustentam que os Espíritos devem ficar absolutamente à margem de qualquer assunto deste mundo. Mas, segundo a Doutrina Espírita, o mundo espiritual não é uma continuação do mundo material? As vibrações deste mundo não têm repercussão no Além? De um lado ou de outro ao que parece, há pouco equilíbrio entre o pensamento da Doutrina e a realidade. Os Espíritos não nos auxiliam, é certo, como nós prevemos, porque a assistência espiritual, em qualquer situação, está condicionada ao merecimento de cada um, isto é, assistência na acepção de auxílio. Entretanto, de acordo com a própria palavra do Cristo — “batei, e abrir-se-vos-á”, podemos receber o socorro do Além, da Bondade Divina por intermédio de um “sopro de inspiração”, de uma ideia feliz, em momentos difíceis, em situações aflitivas. Os Espíritos, de fato, não podem revogar a lei a que estamos sujeitos, como não podem modificar o curso de um ciclo de provas, nem destruir, em nossa existência presente, situações oriundas de encarnações anteriores. Ainda assim não estão eles de todo privados de nos prestarem assistência em certas ocasiões. Sem que tal ou qual forma de auxílio possa ferir a lei de causa e efeito, ponto de apoio da filosofia reencarnacionista, os guias espirituais, os Espíritos familiares, principalmente, dispõem de meios para atender aos nossos apelos, não de uma forma ostensiva espetacular, mas dentro dos limites de nosso merecimento e de acordo com a sinceridade de nossas intenções. No Capítulo XXVI, de “O Livro dos Médiuns” (Das perguntas que se podem fazer aos Espíritos), há esta interpelação, entre outras da mesma natureza:
“Podem os Espíritos familiares favorecer os interesses materiais por meio de revelações?"
Eis a resposta:
"Podem e algumas vezes o fazem, de acordo com as circunstâncias; mas ficai certos de que os bons Espíritos NUNCA SE PRESTAM A SERVIR A CUPIDEZ."
As perguntas honestas não deixam de merecer a atenção dos Espíritos protetores, embora nem sempre, conforme as circunstâncias, está dito acima, possam elas ser satisfeitas plena e imediatamente. Há, porém, necessidades que, no fundo, não passam de cupidez e extravagância. E nestes casos os Espíritos não podem proceder como se fora um pedido justo, criterioso. O indivíduo, suponhamos, que pede a seu Espírito protetor que lhe dê um meio de ganhar muito dinheiro para gastar no cassino, evidentemente não faz jus ao carinho, à bondade de um Espírito elevado. Os Espíritos de Luz não auxiliam o vício, a ganância, a licenciosidade, porque isto seria o mesmo que retardar a evolução. Um pedido insensato não pode encontrar guarida na inteligência de um Espírito sensato. E se tal fosse possível, a intervenção dos Espíritos nas coisas do mundo material teria as mais desastrosas consequências sociais.
Se qualquer um de nós sempre que pedisse algum auxílio do Alto, fosse atendido imediatamente, adviria disto a maior ociosidade, por força do hábito em detrimento do “esforço próprio”, que é o caminho da evolução. Entretanto, não podemos dizer, de um modo sistemático, que os Espíritos não nos ajudam, quando é possível, em nossas necessidades materiais. O próprio Allan Kardec, comentando as respostas que recebera a propósito do assunto, diz o seguinte:
“Os nossos Espíritos protetores podem, em muitas circunstâncias, indicar-nos o melhor caminho sem, entretanto, nos conduzirem pela mão, porque se “assim fizessem, perderíamos o mérito da iniciativa e não ousaríamos dar um passo sem a eles recorrermos, com prejuízo de nosso aperfeiçoamento.” (O Livro dos Médiuns, Cap. XXVI.)
É verdade que os Espíritos não nos revelam “tesouros enterrados”, nem o “dia da sorte grande", por exemplo, mas nos dão ideias felizes, nos trazem alento e esperança, nos momentos de maior incerteza.
Os Espíritos, enfim, não vão bater de porta em porta para nos dar meios de vida, mas nos apontam o caminho, nos dão coragem, e nós que trabalhemos, que nos movimentemos. Quando estamos em sérias dificuldades, às vezes atônitos com alguns problemas inadiáveis, e nos aparece, inesperadamente, um amigo, um conhecido, um companheiro de ideal que nos ajuda naquela emergência, nem sempre queremos ver em tudo isso a providência, a mão invisível de um amigo espiritual, que desce até nós, para nos trazer auxílio, aproximando-nos de alguém que serve de instrumento de nosso benefício.
Os Espíritos nos auxiliam, é verdade, mas precisamos agir também por iniciativa própria.
Muita gente de boa-fé excessiva deseja intervenção dos Espíritos até nos assuntos vulgares. É o outro extremo da questão. Devemos pedir auxílio aos Espíritos justamente quando nos defrontamos com situações que estão acima de nossa capacidade, de nossos recursos, poupando, porém, os nossos guias sempre que precisarmos resolver coisas simples, que dependem exclusivamente de nossa inteligência. Os Espíritos amigos nos inspiram, nos orientam, nos transmitem a indicação de um rumo certo, mas não tomam o nosso lugar, o nosso posto de ação no conjunto em que vivemos. É ainda de Allan Kardec esta ponderada advertência:
“Fora abusar da condescendência dos Espíritos familiares e equivocar-se quanto à missão que lhes cabem o interrogá-los a cada instante sobre as coisas mais vulgares, COMO O FAZEM CERTOS MÉDIUNS. Alguns há que, por um sim, ou por um não, tomam do lápis e pedem conselho para o ato mais simples. Esta mania denota pequenez nas ideias, ao mesmo tempo que a presunção de supor, quem quer que seja, que tem sempre um espírito servidor às suas ordens, sem outra coisa mais a fazer senão cuidar dele e dos seus mínimos interesses.”
O bom senso, portanto, à luz da elucidação do Codificador da Doutrina, é que, nas ocasiões necessárias, saberá distinguir as ideias vulgares das elevadas. Nem tudo se deve perguntar aos Espíritos. Nenhum ponto da Doutrina deve ser interpretado com radicalismo. O raciocínio individual não pode ser dispensado no exame de qualquer tema ou questão, sob pena de prejuízo para a própria compreensão dos assuntos e do pensamento do Codificador. Não constitui sacrilégio nem profanação uma súplica sincera a um Espírito para determinado auxílio de ordem natural. Tais auxílios são prestados de forma indireta, velada, mas não deixam de ser uma prova, e prova eloquente, de que todo aquele que sabe pedir recebe o salário a que tem direito. É a lei da justiça. Não devemos, porém, vulgarizar a assistência espiritual, chamando os Espíritos para resolverem problemas insignificantes ou removerem dificuldades que nós mesmos criamos pela nossa imprudência. Ai de nós, finalmente, neste planeta de tanta incerteza, se não contássemos com a orientação, o auxílio, a bondade dos Espíritos amigos...
Jornal Mundo Espírita” — Curitiba/PR - Fev. 1945
Nota do compilador (Celso Martins): Corroborando em toda a linha esta oportuna análise de Deolindo Amorim, eu me lembro de que, nos anos 60, quando era ainda membro da Mocidade Espírita de Nova Iguaçu, fui procurado por um senhor desejoso de obter uma comunicação mediúnica. Curioso, quis saber dele o que é que ele queria conversar com os Espíritos. E espantado fiquei com a resposta: aquele senhor desejava comprar uma chácara para criar aves e queria saber das “entidades do Centro” se poderia ou não fazer uma certa transação imobiliária! É por estas e por outras semelhantes que Deolindo Amorim deixou esta página que de modo algum poderia ficar esquecida num recorte de jornal.
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